(O presente texto será apresentado como parte do trabalho de conclusão do terceiro módulo pelo aluno Raphael Zanon da Silva no 6° curso de Pós graduação em Direito Processual Penal na EPM - SP)
Trazendo ao ordenamento jurídico brasileiro questões relativas ao crime organizado, a lei 9034/95 não conceitua o presente tema.
A ausência de um conceito legal trouxe insegurança jurídica quanto à sua aplicabilidade uma vez que, em sua redação original, definia crime organizado como quadrilha ou bando que praticassem crime. Surgia então a dúvida: qual o destinatário da lei? Quadrilha ou bando ou organizações criminosas?
Diante deste impasse surgiram duas correntes acerca do tema: a primeira, mais rigorosa, entendia que a lei em questão se aplicava a qualquer espécie de quadrilha ou bando; já a segunda, conservadora, entendia que para configurar organização criminosa seria necessário que houvesse um “algo a mais” na quadrilha ou bando.
Em 2001, o legislador, tentando solucionar a divergência doutrinária, alterou o art. 1° da lei 9034/95 com a edição da lei 10.217/2001, ampliando o objeto da lei para alcançar não apenas a quadrilha ou bando, mas também as “organizações ou associações criminosas de qualquer tipo” que cometam ilícitos penais.
No mesmo sentido de ausência de conceituação legal, continuou o legislador que apenas aumentou o âmbito de aplicação legal, mas em nada auxiliou em determinar de forma específica o que vem a ser organização criminosa.
Doutrinariamente me parece mais adequada o conceito trazido por Luiz Flávio Gomes, uma vez que é, sem dúvida o mais abrangente. Em suma:
“A quadrilha ou bando constitui o arcabouço mínimo para a existência da organização criminosa, o seu requisito básico. Entretanto, além desse elemento estrutural é necessário estar presente, pelo menos, três dentre as seguintes características: a) Previsão de acumulação de riqueza indevida; b) Hierarquia estrutural; c) Planejamento de tipo; d) Uso de meios tecnológicos sofisticados; e) Divisão funcional de atividades; f) Conexão estrutural com o Poder Público; g) A oferta de prestações sociais; h) Divisão territorial das atividades ilícitas; i) Alto poder de intimidação; j) Real capacidade para a fraude difusa; e k) Conexão local, regional, nacional ou internacional com outras organizações” [1].
a. A Convenção de Palermo – Decreto n° 5015/2004
O ordenamento jurídico brasileiro admite a incorporação de tratados e convenções internacionais no sistema jurídico brasileiro. No que atine à incorporação de tratados internacionais que não versam sobre Direitos Humanos a doutrina é pacífica ao entender que tais normas ingressam no ordenamento jurídico brasileiro com “status” de lei ordinária. Neste sentido, Pedro Lenza “(...) tratados e convenções internacionais de outra natureza: têm força de lei ordinária” [2].
Desta forma, tendo o Brasil ratificado a Convenção de Palermo, que trata das formas de cooperação e promoção entre os países signatários para prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional, incorporou com “status” de lei ordinária a definição de crime organizado, trazida no art. 2° da Convenção:
“a) Grupo criminoso organizado - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”.
Capez, então, ensina que “(...) o conceito é um pouco vago, pois a Convenção exige que a organização esteja formada ‘há algum tempo’, sem definir com precisão quanto. De qualquer modo, certamente todos os dispositivos das leis 9.034/95 e 10.271/2001 passam a ter incidência sobre os grupos com as características acima apontadas” [3].
Reforçando a existência da definição de crime organizado no ordenamento jurídico brasileiro o STJ vem mantendo o posicionamento pela existência, como se pode ver no HC 171912/SP – Min. Gilson Dipp – 13.09.2011:
“II. A conceituação de organização criminosa se encontra definida no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto 5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional - Convenção de Palermo, que entende por grupo criminoso organizado, "aquele estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material".
Portanto, impossível falar que inexiste conceituação de organização criminosas no ordenamento jurídico brasileiro, bem como corrobora para tal a doutrina, que auxilia na interpretação dos conceitos trazidos pela incorporação da Convenção.
Questão interessante que merece ser discutida é a possibilidade de alcance da lei às contravenções penais praticadas por organizações criminosas, mais especificamente a contravenção do “jogo do bicho”.
O artigo 2 da Convenção de Palermo é auto explicativo ao definir “infração grave” (requisito da organização criminosa) como: “ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior”.
Ainda que haja a conceituação de infração grave na Convenção de Palermo, Capez entende ser possível a aplicação da lei 9.034/95 nos casos de cometimento da Contravenção Penal citada, uma vez que “(...) a nova redação não fala mais em crime praticado por quadrilha ou bando, mas em ilícitos, razão pela qual ficam alcançadas todas as contravenções penais” [4].
Analisando jurisprudências do STJ é possível notar que o “jogo do bicho” nunca ocorre como única infração penal praticada, sempre estando acompanhada por alguma infração grave, nos moldes da Convenção de Palermo.
Assim, apesar da ausência de julgamentos nos Tribunais Superiores sobre a possibilidade de caracterização de organização criminosa que somente pratique a contravenção penal de “jogo do bicho”, corroboro com o entendimento trazido por Fernando Capez, uma vez que a gravidade da infração não pode ser apenas mensurada pela pena cominada, mas sim, também, pela lesão ocasionada à sociedade.
[1] GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Crime Organizado: enfoque criminológico, jurídico e político-criminal. 2 ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1997. Pág. 92 a 98.
[2] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª ed. São Paulo. Saraiva. 2011. Pág. 550.
[3] CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial simplificada. 7ª ed. São Paulo. Saraiva. 2011. Pág. 178.
[4] CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial simplificada. 7ª ed. São Paulo. Saraiva. 2011. Pág. 179.
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