quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Reprodução Simulada dos Fatos - art. 7° do CPP

Estabelece o art. 7° do Código de Processo Penal Brasileiro: “Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública”.
Também denominada de reconstituição do crime, a reprodução simulada dos fatos, como bem coloca Guilherme de Souza Nucci “(...) pode tornar-se importante fonte de prova, até mesmo para aclarar ao Juiz e aos jurados, no Tribunal do Júri, como se deu a prática da infração penal. A simulação é feita utilizando o réu, a vítima e outras pessoas convidadas a participar, apresentando-se em fotos e esquemas, a versão oferecida pelo acusado e a ofertada pelo ofendido ou outras testemunhas” 1.
É vedada a reconstituição do crime se houver ofensa a moralidade (regras éticas de conduta, tendo em vista o pudor social) e a ordem pública (segurança e paz sociais). Portanto, não se fará a reconstituição do crime sexual, por exemplo, bem como a reconstituição com um criminoso de uma organização criminosa, já que a segurança pública estaria ameaçada.
Ademais a reconstituição do crime fica a cargo da autoridade policial que presidir o inquérito, ou seja, não é obrigatória e poderá ser indeferida pela autoridade se requisitada, nos termos do art. 14 do CPP. É meio de prova que servirá de base para a denúncia, bem como de base para a prolação da sentença, desde que o magistrado não condene o réu somente com base nas provas colhidas pela investigação criminal – art. 155 do CPP.
A grande questão que aponto aqui se dá com relação à obrigatoriedade de comparecimento do indiciado à reprodução simulada do crime.
É esmagadora a jurisprudência no sentido de que o indiciado não tem o dever de participar da reprodução simulada tendo em vista o princípio da não produção de provas contra si mesmo, “nemo tenetur se detegere”, sob pena, inclusive, de caracterizar injusto constrangimento.
Nesse sentido o acórdão proferido pelo TJRS:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. REPRODUÇÃO SIMULADA DOS FATOS. ART. 7º, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DILIGÊNCIA REQUISITADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. OBRIGATORIEDADE DA PARTICIPAÇÃO DO ACUSADO. Não se pode compelir o indiciado a participar da reconstituição da prática criminosa, sob pena de se caracterizar injusto constrangimento. Ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. REALIZAÇÃO DA DILIGÊNCIA. POSSIBILIDADE. Não estando caracterizadas situações de contrariedade à moralidade e à ordem pública, o que se veda, é de ser realizada a reprodução simulada dos fatos, à luz do art. 7º, do Código de Processo Penal. Trata-se de importante fonte de prova e de convicção sobre como ocorreu o delito. (Habeas Corpus Nº 70013558374, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Danúbio Edon Franco, Julgado em 15/12/2005)” 2.

Ocorre que a jurisprudência fala em participar, e não em comparecer. Vamos exemplificar: se este meio de prova fosse produzido em sede de processo penal, ou seja, sob a égide do princípio acusatório, notadamente que haveria contraditório e ampla defesa, devendo o réu ao menos presenciar a reconstituição do crime, sob pena de nulidade do ato.
Muito vem se falando em uma espécie de contraditório, ainda que mitigado, durante a fase inquisitorial, pois o art. 14 do CPP autoriza a possibilidade de produção de provas pelo ofendido ou pela indiciado desde que a autoridade policial entenda cabível. Não discordo de tal afirmação, mas impossível se falar em contraditório em um procedimento administrativo, ou seja, o art. 5°, LV da CF somente assegura o contraditório aos processos.
Voltando ao assunto inicialmente proposto, atendendo ao princípio da economia processual e, corroborando com o contraditório diferido, entendo que o réu é obrigado a comparecer na reprodução simulada dos fatos, sob pena de incorrer no crime de desobediência. Comparecendo, não será o indiciado obrigado a participar, mas somente a se manifestar no inquérito policial sobre a concordância ou não acerca da prova prodizida, lhe sendo garantido, inclusive, o contraditório diferido durante a ação penal.

1NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8° edição. São Paulo. RT. 2008. pág. 96.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Reflexão sobre a atuação policial no RJ

Recebi hoje de um grande amigo de turma da PUC uma reflexão feita por ele sobre as atuações policiais no RJ, no fim do ano de 2010.
Gostaria de parabenizá-lo pelo excelente texto e pelas belas abordagens feitas. Antes de apresentar o texto, farei uma pequena introdução, bem como, ao final, irei expor alguns comentários.

O que vem a ser Estado Democrático de Direito?

Estabelece o art. 1° da Constituição Federal Brasileira: "Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...)".
Para José Afonso da Silva, no que tange a lei no Estado Democrático de Direito, “(...) ele não pode ficar limitado a um conceito de lei, como o que imperou no Estado de Direito Clássico. Pois ele tem que estar em condições de realizar, mediante lei intervenções que impliquem diretamente uma alteração na situação da comunidade. Significa dizer: a lei não deve ficar numa esfera puramente normativa, não pode ser apenas lei de arbitragem, pois precisa influir na realidade social. (…) a lei se elevará, de importância, na medida em que, sendo fundamental expressão do direito positivo, caracteriza-se como desdobramento necessário do conteúdo da Constituição e aí exerce função transformadora da sociedade, impondo mudanças sociais democráticas, ainda que possa continuar a desempenhar uma função conservadora, garantindo a sobrevivência de valores socialmente aceitos” 1.
Diante disso, a função essencial da polícia é, diante da estrita observância da lei, assegurar, conforme estabelece o art. 144, “caput” da Constituição Federal, a ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Notem que o Estado do Rio de Janeiro agiu em estrita observância ao preceito constitucional.

Texto de Renato Gimenez escrito em 27/11/10
Para a reflexão que proponho, vamos inicialmente contemplar dois cenários:

Cenário A: Pouco mais de uma dúzia de indivíduos caminha por uma rua portando o que parece ser armamento pesado, sob a vigilância de um helicóptero que sobrevoa em segurança a alguns quilômetros dali. No rádio, militares discutem o que fazer com os indivíduos, até que vem a ordem e as pessoas que ali estão são atingidas por rajadas de metralhadora.
Cenário B: Pouco mais de uma dúzia de indivíduos portando o que parecem ser fuzis e metralhadoras fogem por uma rua de terra para a segurança de um morro vizinho, após serem expulsos de seu próprio reduto por policiais e fuzileiros navais. Imagens gravadas de um helicóptero que sobrevoa em segurança a alguns quilômetros dali mostram o momento em que um atirador da polícia militar abate com um disparo de fuzil um dos indivíduos, que é carregado por seus colegas até fora do enquadramento.
Os dois cenários tratam de conflitos paramilitares recentes, em lados opostos do planeta.
Em um deles, militares da marinha norte-americana mataram repórteres da imprensa internacional 2. No outro, policiais brasileiros mataram adolescentes.
Em um deles, o que pareciam armas eram câmeras e equipamento de filmagem. No outro, o que pareciam homens, eram adolescentes.
Em um deles, os responsáveis foram identificados, e se espera sejam punidos. No outro não.
Pude assistir as duas cenas durante o programa “Fantástico” da Rede Globo, em ocasiões e circunstâncias diferentes. No caso dos repórteres, o apresentador deu a notícia com pesar. No outro, juro que me pareceu empolgado com as cenas.
Sem adentrar o mérito da invasão das favelas da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão pelas forças policiais e militares, fato que já foi saturado pela mídia, não consigo deixar de notar a ausência de indignação pelo que mostram as imagens da ocupação das comunidades.
Os supostos traficantes (Princípio Constitucional da Presunção da Inocência, alguém?) estavam fugindo - o garoto atingido pelo atirador, especificamente, já estava longe e de costas quando do disparo.
A meu ver, é no mínimo uma tentativa de homicídio exemplar.
E não me falem em estrito cumprimento do dever legal, inexigibilidade de conduta diversa, nem, por favor, em relevante valor social. O garoto estava de costas!
Da última vez que chequei, a conduta do garoto (porte de arma de uso restrito, disparo de arma de fogo, formação de quadrilha, tráfico de drogas, ou seja lá o que lhe imputam) não era punida com execução sumária, nem tampouco o indivíduo que efetuou o disparo era qualificado para ser julgador e carrasco.
Ao questionar o fato, ouvi de um colega: “mas aquilo é um Estado de Guerra”. Não, não é! Aquilo deveria ser mero exercício do poder de polícia do Estado, que ao verificar o cometimento de um ato ilícito deveria submeter o(s) infrator(es) ao devido processo legal. Não meter-lhe um tiro de fuzil nas costas.
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O texto apresentando demonstra as atrocidades cometidas pelo Estado durante a ocupação dos morros do Rio de Janeiro, mas agora comento, sem tecer considerações acerca de um Estado democrático de direito.
Em um primeiro momento imaginam-se que atrocidades foram cometidas, e foram, mas creio que impossível seria culpar aquele que está sob condições adversas, atrás de uma arma e obedecendo ordens.
O Estado, omisso quanto à suas ações, é o causador de todo o caos no RJ e em muitas outras cidades deste enorme país. Graças ao Estado, a corrupção, a má distribuição de renda, e a outros fatores, que as favelas proliferaram, e continuam a crescer por todas as áreas de grande densidade demográfica e, consequentemente, graças ao Estado omisso que a criminalidade cresce cada vez mais.
O que mais me deixa indignado acerca de tudo isso é que graças ao Estado os morros foram ocupados e a violência tende a deixar de existir.

1SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª edição. Ed. Malheiros. 2006. Pág. 121.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Liberdade Provisória e Tráfico de Drogas!

Questão ainda controvérsa em nossos Tribunais no qual em 10/09/2009 o Ministro do STF Marco Aurélio - relator do RE 601384 RG/RS, eos demias Ministros, sendo vencido o MInistro Joaquim Barbosa, reconheceram a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada . No entanto, é majoritária a jurisprudência no sentido de vedá-la, tendo em vista a inafiançabilidade prevista pelo art. 5°, XLIII da CF, bem como a sua vedação estabelecida no art. 44 da lei de drogas.
A liberdade provisória é situação substitutiva da prisão em flagrante, podendo ser com ou sem fiança, conforme dispõe os artigos 321 em diante do CPP.
De acordo com Guilherme de Souza Nucci é patente a inconstitucionalidade das leis que não autorizam a liberdade provisória. "(...) Por hora, muitos Tribunais tem decidido, majoritariamente, pela constotucionalidade da vedação da liberdade provisória a esses delitos, quando o agente é preso em flagrante. Mas, há forte tendência em alterar tal entendimento, até para solucionar certas incoerências legislativas".
Ora, a Constituição Federal fala em inafiançabilidade, o que não se caracteriza que o agente infrator não possa ser atingido pelo instituto da liberdade provisória sem fiança se não estão presentes os requisitos possam determinar a prisão preventiva.
Note que a questão da liberdade provisória ou a manutenção da prisão em flagrante não deve ser estabeecida por lei, devendo caber ao magistrado tal decisão, e observar as circunstâncias que ocorreu a infração penal, bem como os antecedentes criminais e a conduta social do agente criminoso.
Não vamos aqui nos adentrar ao tema da violação do princípio constitucional da presunção de inocência, pois, como sabemos, tal princípio é plenamente compatível com as prisões cautelares. Devemos nos ater sim a vinculação do Juiz por uma lei que tem se manifestado radical, pois, em alguns casos, possível seria o deferimento de um pedido de liberdade provisória. Digo, aqui, que não se pode tratar aquele criminoso que primário, com bons antecedentes, que incidiu na conduta prevista pelo art. 33, "caput" da lei 11343/06 trazendo consigo 100 gramas de maconha e notas de valores diversos, com aquele que transporta 1 tonelada do mesmo tóxico.
Para a lei, tais condutas são equiparadas no que tange à sua periculisidade, o que não pode ser aceito.
Não sou garantista, pelo contrário, sou adepto de um Direito Penal do Inimigo - com reservas -, sou legalista, desde que a lei seja aplicada de forma harmônica com todo o ordenamento jurídico, tendo como base todos os princípios que norteiam o Direito Penal Processual Brasileiro.
Por fim, estou crente pela inconstitucionalidade da presente vedação que será julgada em breve pela nossa Suprema Corte.
Enquanto isso, reforço aqui o entedimento de nossos Tribunais Superiores sendo majoritária a vedação ao presente instituto no caso da lei 11343/06.