segunda-feira, 26 de março de 2012

Adequação Típica – Porte de Arma de Fogo

            No ano de 2003 começou a viger em nosso ordenamento jurídico a lei nº 10.826/03, que disciplinou matéria acerca do registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição.
           No campo criminal, não foi esta lei que tornou a conduta de portar arma de fogo em crime. Anteriormente, em 1997, a lei nº 9.437 já havia tornado a antiga contravenção penal de porte de arma de fogo em crime, ocorrendo a chamada “novatio legis in pejus”. Assim, para aqueles que praticaram a contravenção penal, haveria a ultra-atividade da lei quanto à conduta, vez que é benéfica a nova redação legal.
            Disciplinava o artigo da 10 da lei  nº 9.437 que:
“possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Pena - detenção de um a dois anos e multa”.
            Sem dúvida, como já dito houve uma agravação da conduta anteriormente definida como contravenção penal.
            Houve imperfeições na lei, tal como pode ser demonstrada através da leitura do art. 10, o qual equipara as condutas de “portar arma de fogo” e de “possuir arma de fogo”.
            Aprimorou-se tais imperfeições com a edição do atual Estatuto do Desarmamento (lei nº 10.826/03), sendo buscado inclusive proibir o comércio de armas de fogo e munições no Brasil por um referendo popular.
            Com certeza a presente lei não surtiu os efeitos queridos pelo legislador. A diminuição da violência pode ter ocorrido, mas não exclusivamente pela nova redação legal, já que a criminalidade em nada se preocupa com a possibilidade de cumprir pena maior ou menor pelo porte ou posse de arma de fogo.
            Mas a grande questão se dá com relação ao entendimento jurisprudencial acerca de determinados casos que envolvem arma de fogo: arma de fogo desmuniciada; arma de fogo quebrada; arma de fogo desmontada e arma de brinquedo. O que nossos tribunais entendem sobre o assunto. Todas essas condutas são crimes?

            Arma de fogo sem munição
            É entendimento da Quinta Turma do STJ que o porte de arma de fogo desmuniciada configura conduta típica, vez que por ser crime de perigo abstrato a segurança pública e paz social são postas em perigo pelo simples porte da arma.
            Neste sentido o HC 178320 / SC de relatoria da Min. Laurita Vaz:
“HABEAS CORPUS. PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA ART. 14 DA LEI N.º 10.826/03 (ESTATUTO DO DESARMAMENTO). TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE. INEXISTÊNCIA. PERIGO ABSTRATO CONFIGURADO. DISPOSITIVO LEGAL VIGENTE.
1. Malgrado os relevantes fundamentos esposados na impetração, este Tribunal já firmou o entendimento segundo o qual o porte ilegal de arma de fogo desmuniciada e o de munições, mesmo configurando hipótese de perigo abstrato ao objeto jurídico protegido pela norma, constitui conduta típica.
2. Desse modo, estando em plena vigência o dispositivo legal ora impugnado, não tendo sido declarada sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, não há espaço para o pretendido trancamento da ação penal, em face da atipicidade da conduta”.

            Por sua vez, a Sexta Turma do STJ diverge do entendimento trazido pela Quinta Turma do mesmo Tribunal. Vejamos a decisão proferida no HC 124907/MG pelo Ministro Og Fernandes:
“HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ARMA DESMUNICIADA. ATIPICIDADE DA CONDUTA.
1. Na linha da orientação da Sexta Turma desta Corte, o fato de a arma de fogo estar desmuniciada afasta a tipicidade do delito de porte ilegal de arma de fogo.
2. Ordem concedida para, com base no art. 386, III, do CPP, absolver a paciente da acusação que lhe é dirigida por porte ilegal de arma de fogo de uso permitido”.

            Para a doutrina, Guilherme de Souza Nucci entende que o porte de arma de fogo desmuniciada é crime:
“Não aquiescemos com a posição daqueles que consideram fato atípico o porte não autorizado de arma de fogo, somente pelo fato de estar sem munição à vista (...) Ora, a conduta é igualmente perigosa para a segurança pública. Pode o agente carregar a arma de fogo sem munição e, ao atingir determinado ponto, onde está a vítima em potencial, conseguir munição das mãos de um comparsa” [1].
Para o STF, a questão relativa ao porte de arma de fogo desmuniciada é menos tormentosa, aceitando a tipicidade da conduta no caso de arma de fogo desmuniciada, ainda que o julgamento proferido no HC 99449/MG – 2009, de relatoria da ex Min. Ellen Gracie,  tenha sido pela atipicidade da conduta.
Necessário mencionar que, realizada a pesquisa sobre o tema [2], 12 dos 18 acórdãos encontrados foram julgados pela Primeira Turma, sendo pacífico o entendimento para esta Turma de que o porte de arma de fogo desmuniciada constitui infração penal, como se vê no acórdão proferido no HC 88757/DF de relatoria do Min. Luiz Fux:
“PENAL. HABEAS CORPUS. ESTATUTO DO DESARMAMENTO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO (ART. 14 DA LEI Nº 10.826/2003). TIPO NÃO ABRANGIDO PELA ATIPICIDADE TEMPORÁRIA PREVISTA NOS ARTIGOS 30 E 32 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. VACATIO LEGIS ESPECIAL OU ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA RESTRITA À POSSE DE ARMA DE FOGO NO INTERIOR DE RESIDÊNCIA OU LOCAL DE TRABALHO. ARMA DESMUNICIADA. TIPICIDADE. CRIME DE MERA CONDUTA OU PERIGO ABSTRATO. TUTELA DA SEGURANÇA PÚBLICA E DA PAZ SOCIAL. ORDEM DENEGADA
(...) 3. A conduta de portar arma de fogo desmuniciada sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar configura o delito de porte ilegal previsto no art. 14 da Lei nº 10.826/2003, crime de mera conduta e de perigo abstrato. 4. Deveras, o delito de porte ilegal de arma de fogo tutela a segurança pública e a paz social, e não a incolumidade física, sendo irrelevante o fato de o armamento estar municiado ou não. Tanto é assim que a lei tipifica até mesmo o porte da munição, isoladamente”.
Analisando a questão mais afundo, pode-se notar através das jurisprudências, embora seja crime o porte de arma desmuniciada, o porte desta arma, caso seja utilizada para o cometimento de crime de roubo, não pode ser levado em consideração para a aplicação de majorante do art. 157, § 2°, I do CP (posição pacífica no STJ).
            Ora, data venia, ouso discordar do posicionamento adotado e ir ao encontro do que o STF vem adotando, já que a arma de fogo, ainda que desmuniciada é apta a produzir lesões. A arma de fogo desmuniciada pode ser utilizada como arma branca imprópria, ou seja, embora não tenha sido criada para que o agente a utilize de forma a maximizar a força de seus golpes, ela poderá ser utilizada para tanto (utilização da arma para dar coronhadas).
            Outro ponto é que o art. 157, § 2°, I do CP não fala em arma de fogo, mas sim em arma. Desta forma, basta que o agente empregue arma que restará configurada a causa de aumento de pena.
            Assim, como já dito, entendeu o STF no HC 102.263/SP de Relatoria do  Min. Ricardo Lewandowski:
“EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. ARMA DESMUNICIADA. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE SEU POTENCIAL OFENSIVO. IRRELEVÂNCIA. DESNECESSIDADE. CIRCUNSTÂNCIA QUE PODE SER EVIDENCIADA POR OUTROS MEIOS DE PROVA. CONTINUIDADE DELITIVA. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE PELA VIA DO HC. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA.
I - É irrelevante saber se a arma de fogo estava ou não desmuniciada, visto que tal qualidade integra a própria natureza do artefato. Não se mostra necessária, ademais, a apreensão e perícia da arma de fogo empregada no roubo para comprovar o seu potencial lesivo. II - Lesividade do instrumento que se encontra in re ipsa. III - A majorante do art. 157, § 2º, I, do Código Penal, pode ser evidenciada por qualquer meio de prova, em especial pela palavra da vítima - reduzida à impossibilidade de resistência pelo agente – ou pelo depoimento de testemunha presencial. IV - A arma de fogo, mesmo que não tenha o poder de disparar projéteis, pode ser empregada como instrumento contundente, apto a produzir lesões graves. V - Ordem denegada”.
             
            Arma de fogo quebrada e arma de brinquedo
            Neste tópico é possível traçar entendimentos semelhantes entre a arma de fogo quebrada com a arma de brinquedo. Enquanto a primeira, por uma impropriedade, não possui aptidão para produzir disparo; a segunda não é arma de fogo.
            Portanto, quanto à arma de brinquedo, não há conduta típica com relação àquele que a porta, vez que o Estatuto não disciplinou com conduta típica o porte de arma de brinquedo ou simulacro.
            No caso da “arma de fogo quebrada”, ausente a elementar do tipo penal “arma de fogo” do estatuto do desarmamento. Ora, se uma “arma” não mais possui capacidade para deflagrar projéteis, não mais poderá ser considerada arma de fogo.
            Nucci entende que o porte de arma de fogo quebrada não é crime, já que “(...) cuida-se de delito impossível; a segurança pública não corre risco nesse caso (...)” [3].
            Ocorre que, neste caso, é necessário que seja constatada tal inaptidão por perícia, vez que a conduta de portar arma de fogo é, aprioristicamente, típica, não comportando exceções.
Assim vem decidindo o colendo Superior Tribunal de Justiça, basta analisar o HC n° 122.181/ES, de relatoria no Min. Og Fernandes:
“1. De acordo com o entendimento firmado no âmbito desta Sexta Turma, tratando-se de crime de porte de arma de fogo, faz-se necessária que a arma seja eficaz, vale dizer, tenha potencialidade lesiva. 2. No caso, a arma foi apreendida e periciada. Entretanto, o laudo técnico apontou a sua total ineficácia, vale dizer, descartou, por completo, a sua potencialidade lesiva. 5. Ordem concedida para absolver o paciente do crime de porte ilegal de arma de fogo”.
            Quanto ao STF, necessário discutir a Ementa do voto proferido pela ex Ministra do STF, Ellen Gracie, no RHC n° 97.477/RJ que traz o seguinte:
“EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ARMA DESMUNICIADA E ENFERRUJADA. AUSÊNCIA DE EXAME PERICIAL. ATIPICIDADE.
Inexistindo exame pericial atestando a potencialidade lesiva da arma de fogo apreendida, resulta atípica a conduta consistente em possuir, portar e conduzir arma de fogo desmuniciada e enferrujada. Recurso provido”.       
            Peço vênia para discordar do entendimento em questão. Não é técnico partir do pressuposto que arma de fogo sem munição e enferrujada não seja apta para disparar projéteis que possam vir a causar lesão à bem jurídico.
            O entendimento no caso deveria ter sido o mesmo trazido no que tange à arma de fogo desmuniciada, ou seja, é crime o seu porte, ainda que não haja munição ao alcance do agente.
            O objetivo maior do estatuto do desarmamento é de retirar de circulação armas de fogo para que a população tenha mais segurança. Não importa se há munição ou não na arma, pois é crime de perigo abstrato.
           
             Arma de fogo desmontada
            Como já notado nos tópicos anteriores, a Quinta e a Sexta Turma do STJ dificilmente possuem entendimento convergente. E neste caso não é diferente.
            Por óbvio que a arma desmontada não oferece potencialidade lesiva, vez que arma é o conjunto de peças que, devidamente montadas, possa produzir o disparo de um projétil.
            Ocorre que, caso haja todas as peças a disposição do agente, ainda que no momento a arma não possua capacidade lesiva, ela poderá vir a ter. Sendo assim, o porte de arma desmontada, sem que esteja faltando qualquer peça, pode ser considerada conduta típica.
            É o que se pode observar da leitura do HC n° 120.279/SP da Quinta Turma do STJ, de relatoria do Min. Jorge Mussi:
“HABEAS CORPUS. REGIME PRISIONAL. CONDENAÇÃO POR PORTE DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA. SANÇÃO RECLUSIVA INFERIOR A QUATRO ANOS. IRRELEVÂNCIA. REINCIDÊNCIA. REGIME ABERTO. IMPOSSIBILIDADE. COAÇÃO NÃO DEMONSTRADA.
(...) 2. Consideradas favoráveis todas as circunstâncias judiciais, à exceção dos antecedentes, não pode tal circunstância, diante das particularidades do caso em concreto, servir para impedir o benefício, especialmente em se considerando que a arma encontrada em poder do condenado estava desmontada, oferecendo, por isso, menor potencial lesivo, que hoje o paciente conta com 68 (sessenta e oito) anos e a reincidência se deu em delito diverso do ora examinado”.
            Ora, de acordo com a Quinta Turma do STJ, o porte de arma desmontada não configura fato atípico, mas tão somente uma possibilidade de se conhecer uma menor reprovabilidade do delito pelo reduzido potencial lesivo de armamento.
            Desta forma, respeita-se a obediência de retirar de circulação qualquer tipo de arma de fogo que possa causar perigo a incolumidade pública e à segurança.
            Em contrapartida, a Sexta Turma do STJ possui entendimento diverso, trazendo a tese de que a arma desmontada sequer possui potencialidade lesiva reduzida, sendo atípica a conduta de porte de arma de fogo desmontada – HC n° 101.638/MS de relatoria do Min. Og Fernandes:
“HABEAS CORPUS. ARMA DESMUNICIADA E DESMONTADA. ATIPICIDADE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
I. No caso em julgamento, o paciente trazia uma arma desmontada. É evidente que não havia potencialidade ofensiva, porquanto arma desmontada não é arma. O paciente portava apenas partes de uma arma, que não lhe serviriam sequer para defender-se de um repentino ataque de algum animal selvagem”.

            Conclusão

Devemos tratar o tema da segurança jurídica não só no que diz respeito à irretroatividade da lei penal in pejus, ou da retroatividade da lei penal mais benéfica. Mas sim, analisá-la do ponto de vista jurisdicional.
De acordo com José Afonso da Silva, “a segurança jurídica consiste no conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida” [4].
Ora, não só a lei deve observar questões relacionadas à segurança jurídica. A jurisprudência tem por objetivo observar o presente direito constitucional, vez que tem por objetivo a resolução constitucional de conflitos de acerca da interpretação de uma lei.
Outro ponto que deve ser analisado diz respeito à competência do STJ prevista no art. 105, III, “c” da CF - Compete ao STJ julgar em sede de recurso especial “as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais, ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito federal e Territórios, quando a decisão recorrida: der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro Tribunal”.
Pois bem, traz o presente artigo da constituição a competência do STJ em uniformizar jurisprudência. Ocorre que como será uniformizada a jurisprudência se o próprio STJ possui entendimentos divergentes sobre um mesmo tema.
A ausência de uniformização de jurisprudência gera uma verdadeira loteria no julgamento de qualquer indivíduo, trazendo consigo insegurança jurídica. Significa que, se o indivíduo estiver com sorte e sua ação constitucional (HC) ou recurso forem distribuídos para a Sexta Turma do STJ, por exemplo, será absolvido. Se estiver com azar e sua ação seja distribuída para a Quinta Turma do STJ será condenado.







[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 4ª ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2009. Pág. 87.
[2] Pesquisa realizada em 23.03.2012 no site http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28arma+e+desmuniciada%29&base=baseAcordaos
[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 4ª ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2009. Pág. 87.
[4] SILVA, Jose Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª edição. Malheiros. Pag. 433.

sábado, 17 de março de 2012

Tribunal Penal Internacional


Tribunal Penal Internacional por Xisto Rangel, sexta, 16 de Março de 2012

          Na onda da universalização dos Direitos Humanos e do respeito ao direito internacional nasceu a CPI (Corte Penal Internacional) com o objetivo de julgar os indivíduos nos casos de crimes mais graves como os genocídios, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e talvez os crimes de agressão. Mostrando-se inoperante ou inceficiente a jurisdição interna do país onde se encontra o indivíduo ou no qual ele seja cidadão, o Tribunal Penal Internacional pode requisitar a sua ENTREGA, que não se confunde com extradição.
          É certo que na forma do parágrafo 3º da Constituição Federal (Emenda 45), referido tratado passou a integrá-la na qualidade de Emenda.
Também não se discute que a adesão ao referido Tratado (de Roma) não pode se dar com reservas e que ele prevê, dentre as penas aplicáveis aos crimes de sua competência, a privativa da liberdade de caráter PERPÉTUO.
          Ocorre que nossa Constituição apregoa, no capítulo dos direitos e garantias individuais, que não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis. Constituindo, tais limites ao poder de punir, o que se convencionou chamar "cláusulas petreas" (art. 60, parágrafo 4º da CF).
          Logo, assinado o tratado pelo governante da vez ou por seu plenipotenciário, e submetido ao endosso do Legislativo, o tratado deveria ser de observância obrigatória - e sem reservas - ao Brasil, inclusive na parte em que atenta contra a garantia individual - NÃO PASSÍVEL DE EMENDA CONSTITUCIONAL - ao elencar, dentre as penas aplicáveis, a de PRISÃO PERPÉTUA.
          Segundo o preclaro expositor da aula de ontem, o MM Juiz Federal Mássimo Palazzolo, não haveria problema nisso, visto que o mundo estaria cada vez mais globalizado, devendo o direito ser observado sob referida ótica...Ademais, como signatário do Tratado Internacional, ao Brasil caberia observá-lo e ponto.
          Óbvio que eu não poderia concordar com isso, e foi justamente por conta do meu inconformismo com esse MECANISMO DE CONTORNO daquilo que nosso Poder Constituinte Originário colocou como imutável que eu solicitei ao mestre que enveredasse comigo, então, em um raciocínio hipotético equivalente na busca de melhor fazer entender minha sublevação.
          Pensemos no caso de, a exemplo do que ocorrera com Sakineh, aquela iraniana condenada a ser apedrejada em praça pública (pena evidentemente cruel), o TPI, caso previsse a possibilidade da aplicação de pena desse jaez,viesse a nos requisitar a entrega de cidadão brasileiro (eu, você, ou qualquer outro). Nesse caso o Brasil deveria então nos entregar para julgamento, eventual condenação e APEDREJAMENTO?
          Vejam, as razões que informam a exceção sustentada pelo mestre, smj, são as mesmas que sustentariam a entrega do cidadão na derradeira hipótese, caso houvesse a previsão de pena cruel para os crimes de competência julgadora do Tribunal Penal Internacional.
          Enfim, entendo que não podem os nossos direitos e garantias individuais sofrerem, por via disfarçada, de contorno, tal tipo de limitação. Especialmente porque não defluente, a restrição, do Poder Constituinte Originário. Pelo contrário, será defluente da vontade política do GOVERNANTE DA VEZ e do endosso de sua base no Congresso, sabidamente fisiológica ou, em outras palavras, comprometida com a "governabilidade".
Para que fique bem claro, veja o estrago que a vontade do governate da vez pode fazer: caso Cesare Batistti.

Xisto Rangel é Juiz de Direito Titular da 2ª Vara Criminal do Foro de São Miguel - SP.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Julgamento sobre meios para atestar embriaguez de motorista é novamente interrompido
 
O julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que vai definir os meios de prova para atestar a embriaguez de motoristas foi novamente interrompido. Dos oito magistrados votantes na Terceira Seção, quatro já se manifestaram no sentido de que, à falta do exame de sangue e do etilômetro (bafômetro), outros meios de prova podem ser admitidos em juízo, de acordo com o voto do relator, ministro Marco Aurélio Bellizze. As posições podem ser alteradas até o fim do julgamento.

O ministro Sebastião Reis Júnior pediu vista dos autos, depois que foi contestada por dois ministros a validade deste processo como representativo de controvérsia repetitiva (a tese firmada no rito dos recursos repetitivos fixa parâmetros para a solução de outros recursos que tratem da mesma questão jurídica).

O julgamento, que começou no dia 8 de fevereiro, foi retomado com o voto da ministra Laurita Vaz. Ela acredita que o caso concreto relacionado ao processo em julgamento não deve ser considerado para fixação de uma tese repetitiva. No mesmo sentido se manifestou o ministro Og Fernandes, que defendeu, em questão de ordem, a remessa do recurso à Quinta Turma, para que continue tramitando em rito normal, não mais como recurso repetitivo.

No recurso interposto no STJ, o Ministério Público se opõe a uma decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que beneficiou um motorista que não se submeteu ao teste do bafômetro. O motorista se envolveu em acidente de trânsito em março de 2008, quando a Lei Seca ainda não estava em vigor, e à época foi preso e encaminhado ao Instituto Médico Legal, onde um teste clínico atestou o estado de embriaguez.

Ação trancada

Denunciado pelo MP com base no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o motorista conseguiu o trancamento da ação penal sob a alegação de que não ficou comprovada a concentração de álcool exigida pela nova redação da norma trazida pela Lei Seca. O tribunal local entendeu que a lei nova seria mais benéfica ao réu, por impor critério mais rígido para a verificação da embriaguez, devendo por isso ser aplicada a fatos anteriores à sua vigência.

A ministra Laurita afirmou que a lei nova estabeleceu um patamar mínimo de teor alcoólico no sangue. “Por um lado, a lei nova trouxe critério objetivo, sendo mais branda porque, antes, qualquer limite caracterizaria o crime. Mas por outro lado, é mais gravosa, por dispensar o perigo concreto a outrem como requisito para caracterizar o tipo penal”, explicou.

Para a ministra, no caso concreto, que se deu antes da Lei Seca, a perícia não determinou o grau de embriaguez do acusado, o que torna inviável o prosseguimento da ação penal. “No caso, não se pode ultrapassar a barreira da ausência de justa causa, para discutir objetivamente se há concentração alcoólica no organismo do motorista no grau determinado por lei”, destacou em seu voto.

A ministra defende que a discussão da tese a ser aplicada a todo o país seja retomada no julgamento de outro recurso, a ser destacado no futuro para julgamento na Seção.

Prova pericial
O ministro Jorge Mussi votou na sequência e acompanhou o entendimento do relator. Ele afirmou que, como a lei indica uma série de medidas às quais o motorista suspeito de estar alcoolizado deveria se submeter, e não havendo hierarquia entre elas, aquelas que não demandassem intervenção corporal, que não exigissem a participação ativa do suspeito, seriam produzidas com garantia do direito ao silêncio.

O ministro considerou possível, diante dos indícios do crime de embriaguez ao volante, a submissão do motorista ao exame clínico, a ser feito por perito médico, “prova que reputo tão confiável quanto aquela produzida pelo exame de sangue ou o bafômetro”.
No caso em exame, a embriaguez foi atestada por médico legista do IML, o que, para o ministro é prova apta a preencher o elemento objetivo do tipo penal. Portanto, segundo ele, é plenamente viável o recebimento da denúncia e o prosseguimento da ação penal.

“A prova pericial não é o único meio para comprovar o estado de embriaguez. Até porque vige o livre convencimento do magistrado, e ele não está comprometido pela prova, devendo apenas declinar as razões do porquê de optar por tais e não outras. Caberá ao magistrado cotejar as provas existentes e decidir pelo cometimento ou não do crime”, concluiu o ministro.

Questão de ordem
O seguinte a votar, ministro Og Fernandes, propôs, em questão de ordem, que o recurso seja remetido para a Quinta Turma para julgamento sem os efeitos de recurso repetitivo. No seu entender, o recurso afetado à Seção não é representativo da controvérsia. Os fatos narrados no recurso ocorreram em data anterior à Lei Seca e o motorista não se negou a fazer o teste do bafômetro (o teste não era exigido à época). “Estaríamos fixando uma tese jurídica incapaz de incidir sobre o caso concreto”, advertiu.

Com o relator, já votaram os ministros Gilson Dipp, Jorge Mussi e o desembargador convocado Vasco Della Giustina. O desembargador convocado Adilson Macabu entende que a tese repetitiva deve admitir apenas o exame de sangue e o bafômetro para caracterização da embriaguez. A retomada do julgamento está prevista para 28 de março, quando a Seção volta a se reunir.
 

terça-feira, 13 de março de 2012

Disposições Gerais sobre a lei 9.034/95

(O presente texto será apresentado como parte do trabalho de conclusão do terceiro módulo pelo aluno Raphael Zanon da Silva no 6° curso de Pós graduação em Direito Processual Penal na EPM - SP)

 
  1. Das Disposições Gerais
    1. Da identificação Criminal Obrigatória
Alude o art. 5°, LVIII da CF que “o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal”. Ocorre que, por ser norma de eficácia contida produz efeitos imediatos, porém pode ter seu alcance limitado.
E foi justamente sua limitação que o art. 5° da lei 9.034/95 fez ao determinar que todos aqueles envolvidos em organização criminosa deveriam ser identificados criminalmente, independentemente de sua identificação civil.
A identificação criminal consiste, conforme a novel legislação sobre o assunto (lei 12.037/09), na identificação datiloscópica e na identificação fotográfica. A presente lei de identificação criminal revogara a lei 10.054/00 que versava sobre o mesmo tema.
A própria legislação anterior (lei 10.054/00) já levantara posição jurisprudencial no sentido de revogação do art. 5° da lei 9034/95, vez que estabelecia em seu art. 3° rol taxativo de possibilidade de identificação do civilmente identificado.
Neste sentido o RHC 12968/DF de 05.08.2004, de relatoria do Min. Felix Fischer:
“PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 4º DA LEI Nº 7.492/86 E ARTS. 288 E 312, DO CÓDIGO PENAL. IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL DOS CIVILMENTE IDENTIFICADOS. ART. 3º, CAPUT E INCISOS, DA LEI Nº 10.054/2000. REVOGAÇÃO DO ART. 5º DA LEI Nº 9.034/95.
O art. 3º, caput e incisos, da Lei nº 10.054/2000, enumerou, de forma incisiva, os casos nos quais o civilmente identificado deve, necessariamente, sujeitar-se à identificação criminal, não constando, entre eles, a hipótese em que o acusado se envolve com a ação praticada por organizações criminosas. Com efeito, restou revogado o preceito contido no art. 5º da Lei nº 9.034/95, o qual exige que a identificação criminal de pessoas envolvidas com o crime organizado seja realizada independentemente da existência de identificação civil”.
            Desta forma, e diante da já revogação do presente artigo pela antiga lei de identificação criminal, nada mais fez o legislador do que afirmar a presente revogação do artigo, vez que não fez mencionar no art. 3° da nova lei a possibilidade de identificar criminalmente o agente que faz parte de organização criminosa.
    1. Da Delação Eficaz ou Premiada
Estabelece o art. 6° da lei 9.034/95 que “nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços), quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria”.
Trata-se de causa obrigatória de diminuição da pena, um direito público subjetivo do agente que deve variar de acordo com o maior ou menor grau de contribuição causal para o esclarecimento da infração.
Para Nucci, “significa a assunção pessoal da prática de um crime, buscando narrar às autoridades competentes, a título de colaboração, porém com a intenção de auferir algum benefício, quem são os comparsas e colaboradores” [1].
Ressalta-se que a colaboração tem que ser eficaz, vez que sua ineficácia ensejaria o não esclarecimento de infrações e sua autoria.

    1. Vedação à Liberdade Provisória
A Constituição Federal traz em seu art. 5°, LVII o princípio da presunção de inocência ou não culpabilidade, como chamado por alguns doutrinadores. O Presente princípio evidencia que somente após o trânsito em julgado da sentença é que se poderá considerar alguém culpado ou não.
Desta forma, o agente criminoso somente poderá ser levado ao cárcere cautelarmente, ou seja, se presentes os requisitos dos artigos 312 e 313 do CPP.
Como mera citação, parte do STJ e do STF, mas não de forma pacífica, que somente nos casos de cometimento de crimes hediondos e equiparados é que há a vedação a liberdade provisória, vez que a própria Constituição Federal ao vedar a fiança para tais crimes impossibilita, indiretamente, a liberdade provisória sem fiança e, sendo assim, fica obrigatório ao Juiz substituir a prisão em flagrante pela prisão preventiva.
Outra parte dos Tribunais Superiores entendem que a prisão preventiva obrigatória caracteriza violação ao princípio constitucional do estado de inocência, vez que tal prisão obrigatória inviabiliza a observância dos requisitos para sua decretação, quais seja, o fumus boni iuris  e o periculum in mora.
Com bem coloca Capez,
“a própria Constituição Federal, ao prever a prisão em flagrante (art. 5°, LXI) deixa clara a possibilidade de prisão antes da condenação definitiva. Bem diferente, no entanto, é proibir de antemão toda e qualquer liberdade provisória, independentemente de estarem presentes os requisitos da tutela cautelar, apenas porque o agente está sendo acusado ou investigado pela prática de um determinado ilícito penal” [2].
Por óbvio que o agente integrante de organização criminosa, ou aqueles que cometa crimes hediondos e equiparados possuem todos os requisitos para que haja a privação da liberdade até o julgamento do processo. Porém, não pode o legislador suprir a imparcialidade e a necessidade de apreciação jurisdicional acerca da concessão ou não da Liberdade Provisória dos criminosos.
Sobre o tema, interessante trazer acórdão proferido pelo STF acerca da possibilidade, inclusive de aplicar medidas cautelares diversas da prisão à agente que tenha participação em organização criminosa - HC 106446 / SP - Relator p/ Acórdão:  Min. DIAS TOFFOLI Julgamento:  20/09/2011 - Órgão Julgador:  Primeira Turma:
“EMENTA Habeas Corpus. Processual Penal. Prática de ilícitos penais por organização criminosa denominada Primeiro Comando da Capital (PCC), na região do ABC paulista. Paciente incumbida de receber e transmitir ordens, recados e informações de interesse da quadrilha, bem como auxiliar na arrecadação de valores. Sentença penal condenatória que vedou a possibilidade de recurso em liberdade. Pretendido acautelamento do meio social. Não ocorrência. Ausência dos requisitos justificadoras da prisão preventiva (art. 312 do CPP). Última ratio das medidas cautelares (§ 6º do art. 282 do CPP - incluído pela Lei nº 12.403/11). Medidas cautelares diversas. (...) Aplicabilidade à espécie, tendo em vista o critério da legalidade e proporcionalidade. Paciente que, ao contrário dos outros corréus, não foi presa em flagrante, não possui antecedentes criminais e estava em liberdade provisória quando da sentença condenatória. Substituição da prisão pelas medidas cautelares diversas (Incisos I a III do art. 319 do CPP). Ordem parcialmente concedida. (...) 2. Considerando que a prisão é a última ratio das medidas cautelares (§ 6º do art. 282 do CPP - incluído pela Lei nº 12.403/11), deve o juízo competente observar aplicabilidade, ao caso concreto, das medidas cautelares diversas elencadas no art. 319 do CPP, com a alteração da Lei nº 12.403/11.. 4. Na espécie, o objetivo que se quer levar a efeito - evitar que a paciente funcione como verdadeiro pombo-correio da organização criminosa, como o quer aquele Juízo de piso -, pode ser alcançado com aquelas medidas cautelares previstas nos incisos I a III do art. 319 do CPP em sua nova redação. 5. Se levado em conta o critério da legalidade e da proporcionalidade e o fato de a paciente, ao contrário dos outros corréus, não ter sido presa em flagrante, não possuir antecedentes criminais e estar em liberdade provisória quando da sentença condenatória, aplicar as medidas cautelares diversas da prisão seria a providência mais coerente para o caso. 6. Ordem parcialmente concedida para que o Juiz de origem substitua a segregação cautelar da paciente por aquelas medidas cautelares previstas nos incisos I a III do art. 319 do Código de Processo Penal”.

    1. Impossibilidade de Recorrer em Liberdade
Diante do já debatido tema acerca da possibilidade de concessão de Liberdade Provisória com relação aos integrantes de organização criminosa, é possível concluir que o art. 9° da lei 9.034 não possui mais aplicação.
Necessário que haja justificação da autoridade judiciária pela manutenção ou não do agente em cárcere de natureza cautelar, bem como a sua colocação em cárcere se respondendo processo em liberdade.
Com as alterações ocorridas pelo advento da lei 12.403/11 a prisão cautelar, especificamente a prisão preventiva, foi entendida pelo legislador como “ultima ratio”, vez que há a possibilidade de aplicação das medidas cautelares antes de ser decretada a privação cautelar da liberdade.
O fundamento jurisprudencial já foi trazido no acórdão proferido no HC 106446/SP (acórdão mencionado no tópico anterior), sendo que é necessário observar o escalonamento trazido pela novel lei e, em último caso, determinar a prisão cautelar do agente.
Como já dito, aquele preso em flagrante por cometer crimes através de organização criminosa deve ser mantido em cárcere, vez que estão presentes os requisitos necessários para a decretação da prisão preventiva. Ao contrário, àqueles que não foram detidos em flagrante é incondicional a presença de tais requisitos, bem como a prisão preventiva tem que ser necessária e adequada, sob pena de caracterizar constrangimento ilegal do indiciado/acusado.


[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 4ª ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2009. Pág. 287.
[2] CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial simplificada. 7ª ed. São Paulo. Saraiva. 2011. Pág. 196.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Conceito de Crime Organizado no Ordenamento Jurídico Brasileiro

(O presente texto será apresentado como parte do trabalho de conclusão do terceiro módulo pelo aluno Raphael Zanon da Silva no 6° curso de Pós graduação em Direito Processual Penal na EPM - SP)

Trazendo ao ordenamento jurídico brasileiro questões relativas ao crime organizado, a lei 9034/95 não conceitua o presente tema.
A ausência de um conceito legal trouxe insegurança jurídica quanto à sua aplicabilidade uma vez que, em sua redação original, definia crime organizado como quadrilha ou bando que praticassem crime. Surgia então a dúvida: qual o destinatário da lei? Quadrilha ou bando ou organizações criminosas?
Diante deste impasse surgiram duas correntes acerca do tema: a primeira, mais rigorosa, entendia que a lei em questão se aplicava a qualquer espécie de quadrilha ou bando; já a segunda, conservadora, entendia que para configurar organização criminosa seria necessário que houvesse um “algo a mais” na quadrilha ou bando.
Em 2001, o legislador, tentando solucionar a divergência doutrinária, alterou o art. 1° da lei 9034/95 com a edição da lei 10.217/2001, ampliando o objeto da lei para alcançar não apenas a quadrilha ou bando, mas também as “organizações ou associações criminosas de qualquer tipo” que cometam ilícitos penais.
No mesmo sentido de ausência de conceituação legal, continuou o legislador que apenas aumentou o âmbito de aplicação legal, mas em nada auxiliou em determinar de forma específica o que vem a ser organização criminosa.
Doutrinariamente me parece mais adequada o conceito trazido por Luiz Flávio Gomes, uma vez que é, sem dúvida o mais abrangente. Em suma:
“A quadrilha ou bando constitui o arcabouço mínimo para a existência da organização criminosa, o seu requisito básico. Entretanto, além desse elemento estrutural é necessário estar presente, pelo menos, três dentre as seguintes características: a) Previsão de acumulação de riqueza indevida; b) Hierarquia estrutural; c) Planejamento de tipo; d) Uso de meios tecnológicos sofisticados; e) Divisão funcional de atividades; f) Conexão estrutural com o Poder Público; g) A oferta de prestações sociais; h) Divisão territorial das atividades ilícitas; i) Alto poder de intimidação; j) Real capacidade para a fraude difusa; e k) Conexão local, regional, nacional ou internacional com outras organizações” [1].
a.       A Convenção de Palermo – Decreto n° 5015/2004
O ordenamento jurídico brasileiro admite a incorporação de tratados e convenções internacionais no sistema jurídico brasileiro. No que atine à incorporação de tratados internacionais que não versam sobre Direitos Humanos a doutrina é pacífica ao entender que tais normas ingressam no ordenamento jurídico brasileiro com “status” de lei ordinária. Neste sentido, Pedro Lenza “(...) tratados e convenções internacionais de outra natureza: têm força de lei ordinária” [2].
Desta forma, tendo o Brasil ratificado a Convenção de Palermo, que trata das formas de cooperação e promoção entre os países signatários para prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional, incorporou com “status” de lei ordinária a definição de crime organizado, trazida no art. 2° da Convenção:
“a) Grupo criminoso organizado - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”.
            Capez, então, ensina que “(...) o conceito é um pouco vago, pois a Convenção exige que a organização esteja formada ‘há algum tempo’, sem definir com precisão quanto. De qualquer modo, certamente todos os dispositivos das leis 9.034/95 e 10.271/2001 passam a ter incidência sobre os grupos com as características acima apontadas” [3].
            Reforçando a existência da definição de crime organizado no ordenamento jurídico brasileiro o STJ vem mantendo o posicionamento pela existência, como se pode ver no HC 171912/SP – Min. Gilson Dipp – 13.09.2011:
“II. A conceituação de organização criminosa se encontra definida no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto 5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional - Convenção de Palermo, que entende por grupo criminoso organizado, "aquele estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material".
            Portanto, impossível falar que inexiste conceituação de organização criminosas no ordenamento jurídico brasileiro, bem como corrobora para tal a doutrina, que auxilia na interpretação dos conceitos trazidos pela incorporação da Convenção.
            Questão interessante que merece ser discutida é a possibilidade de alcance da lei às contravenções penais praticadas por organizações criminosas, mais especificamente a contravenção do “jogo do bicho”.
            O artigo 2 da Convenção de Palermo é auto explicativo ao definir “infração grave” (requisito da organização criminosa) como: “ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior”.
            Ainda que haja a conceituação de infração grave na Convenção de Palermo, Capez entende ser possível a aplicação da lei 9.034/95 nos casos de cometimento da Contravenção Penal citada, uma vez que “(...) a nova redação não fala mais em crime praticado por quadrilha ou bando, mas em ilícitos, razão pela qual ficam alcançadas todas as contravenções penais” [4].
            Analisando jurisprudências do STJ é possível notar que o “jogo do bicho” nunca ocorre como única infração penal praticada, sempre estando acompanhada por alguma infração grave, nos moldes da Convenção de Palermo.
            Assim, apesar da ausência de julgamentos nos Tribunais Superiores sobre a possibilidade de caracterização de organização criminosa que somente pratique a contravenção penal de “jogo do bicho”, corroboro com o entendimento trazido por Fernando Capez, uma vez que a gravidade da infração não pode ser apenas mensurada pela pena cominada, mas sim, também, pela lesão ocasionada à sociedade.


[1] GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Crime Organizado: enfoque criminológico, jurídico e político-criminal. 2 ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1997. Pág. 92 a 98.
[2] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª ed. São Paulo. Saraiva. 2011. Pág. 550.
[3] CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial simplificada. 7ª ed. São Paulo. Saraiva. 2011. Pág. 178.
[4] CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial simplificada. 7ª ed. São Paulo. Saraiva. 2011. Pág. 179.