domingo, 24 de abril de 2011

Poderes de Investigação do Ministério Público

            Com fundamento constitucional (art. 129, I, VI e VIII da CF) [1], bem como no âmbito do MPF, pela lei complementar 75/93 nos dispostos nos artigos 7º, 8º [2] e também no art. 38 [3], observa-se que foi conferido ao Ministério Público atribuições para requisitar inquéritos e investigações. Nesta linha, a lei 8625/93 também reserva tais poderes ao Ministérios Público Estadual. Importante mencionar que o Ministério Público, com base nos artigos mencionados poderá sim investigar, porém nunca poderá presidir inquérito policial, já que tal atribuição é típica das autoridades policiais.
            A investigação levada à cabo pelos membros do “parquet” baseia-se na teoria dos poderes implícitos que bem se apresentou no informativo 564 do STF que traz a seguinte redação:
Ponderou-se que a outorga de poderes explícitos, ao Ministério Público (CF, art. 129, I, VI, VII, VIII e IX), supõe que se reconheça, ainda que por implicitude, aos membros dessa instituição, a titularidade de meios destinados a viabilizar a adoção de medidas vocacionadas a conferir real efetividade às suas atribuições, permitindo, assim, que se confira efetividade aos fins constitucionalmente reconhecidos ao Ministério Público (teoria dos poderes implícitos). Não fora assim, e desde que adotada, na espécie, uma indevida perspectiva reducionista, esvaziar-se-iam, por completo, as atribuições constitucionais expressamente concedidas ao Ministério Público em sede de persecução penal, tanto em sua fase judicial quanto em seu momento pré-processual. Afastou-se, de outro lado, qualquer alegação de que o reconhecimento do poder investigatório do Ministério Público poderia frustrar, comprometer ou afetar a garantia do contraditório estabelecida em favor da pessoa investigada. Nesse sentido, salientou-se que, mesmo quando conduzida, unilateralmente, pelo Ministério Público, a investigação penal não legitimaria qualquer condenação criminal, se os elementos de convicção nela produzidos — porém não reproduzidos em juízo, sob a garantia do contraditório — fossem os únicos dados probatórios existentes contra a pessoa investigada, o que afastaria a objeção de que a investigação penal, quando realizada pelo Ministério Público, poderia comprometer o exercício do direito de defesa. Advertiu-se, por fim, que à semelhança do que se registra no inquérito policial, o procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público deverá conter todas as peças, termos de declarações ou depoimentos e laudos periciais que tenham sido coligidos e realizados no curso da investigação, não podendo o membro do parquet sonegar, selecionar ou deixar de juntar, aos autos, qualquer desses elementos de informação, cujo conteúdo, por se referir ao objeto da apuração penal, deve ser tornado acessível à pessoa sob investigação. HC 89837/DF, rel. Min. Celso de Mello, 20.10.2009. (HC-89837)”.

            Mas tal decisão não foi primeira proferida pela Suprema Corte. Em 2008, no RE 535478, de relatoria da Min. Ellen Gracie foi entendido que, tendo em vista que a denúncia poderia ser oferecida baseada em peças de informações obtidas pelo órgão do MPF, sem a necessidade de prévio inquérito policial, em nada obstaria que o Ministério Público, como titular da ação penal, diligenciasse diretamente para a obtenção de provas, formando, assim, o seu convencimento para a propositura da ação penal.
            Para Alexandre de Moraes “Incorporou-se em nosso ordenamento jurídico, portanto, a pacífica doutrina constitucional norte-americana sobre a teoria dos poderes implícitos inherent powers , pela qual no exercício de sua missão constitucional enumerada, o órgão executivo deveria dispor de todas as funções necessárias, ainda que implícitas, desde que não expressamente limitadas (Myers v. Estados Unidos US 272 52, 118), consagrando-se, dessa forma, e entre nós aplicável ao Ministério Público, o reconhecimento de competências genéricas implícitas que possibilitem o exercício de sua missão constitucional, apenas sujeitas às proibições e limites estruturais da Constituição Federal” [4].
            Eugênio Pacelli de Oliveira justifica a possibilidade do MP investigar na seguinte questão: “(...) julgamos de manifesta insubsistência, teórica e prática, o argumento em favor da privatividade da investigação em mãos da polícia. A Constituição da República, a todas as luzes, não a contempla no Capítulo que cuida da Segurança Pública (arts. 144 e seguintes, CF). A única menção feita à exclusividade que ali se contém diz respeito ao disposto no art. 144, § 1º, IV, no qual se estabelece caber à Polícia Federal, com exclusividade, as funções de polícia judiciária” [5].
            Há quem entenda que o Ministério Público não poderá realizar atribuições que a constituição federal não mencionou explicitamente. Neste ponto Guilherme de Souza Nucci “(...) cremos inviável que o promotor de justiça, titular da ação penal, assuma a postura de órgão investigatório, substituindo a polícia judiciária e produzindo inquéritos visando à apuração de infrações penais e de sua autoria. (...) Ao Ministério Público foi reservada a titularidade da ação penal, ou seja, a exclusividade no seu ajuizamento, salvo o excepcional caso reservado à vítima. (...) O sistema processual penal foi elaborado para apresentar-se equilibrado e harmônico, não devendo existir qualquer instituição superpoderosa. Note-se que, quando a polícia judiciária elabora e conduz a investigação criminal, é supervisionada pelo Ministério Público e pelo Juiz de Direito. Este, ao conduzir a instrução criminal, tem a supervisão das partes – Ministério público e advogados. Logo, a permitir-se que o Ministério Público, por mais bem intencionado que esteja, produza de per si investigação criminal, isolado de qualquer fiscalização, sem a participação do indiciado, que nem ouvido precisa ser, significaria quebrar a harmônica e garantista investigação de uma infração penal” [6].
            Apresentada as duas posições acima (de se notar que a primeira advém de um membro do MPF e a segunda de um desembargador do Estado de São Paulo), acredito com bem mencionado pela jurisprudência, haver um meio termo para a solução da questão. É por óbvio que o Ministério Público ao realizar uma investigação, não poderá exercê-la com poderes irrestritos e inquestionáveis, devendo, assim como ocorre com a Polícia Judiciária, ser submetido à apreciação do Poder Judiciário.
            Favorecendo este entendimento, o Ministro Gilmar Mendes, em um belíssimo voto proferido no HC 93.930 – RJ – em 07.12.2010, entendeu que “(...) as investigações realizadas no seio daquela instituição devem ser, necessariamente, subsidiárias, ocorrendo, apenas, quando não for possível, ou recomendável, que se efetivem pela própria polícia. Note-se que caberá, sempre, ao Ministério Público o controle externo da atividade policial, o que implica a natural participação do Parquet no controle das investigações realizadas”.
            Diante desta posição percebe-se que há uma lacuna legislativa quanto à possibilidade das investigações penais serem conduzidas pelo Ministério Público, no qual a lei somente autoriza tais investigações (art. 4º do CPP) através de inquérito policial presidido por Delegado de Polícia. Não afirmo neste ponto que o Ministério Público presidirá o inquérito policial, apenas deixo a questão de que há de se levar em conta os gravames de uma investigação ao investigado, que terá sua intimidade violada.
            Neste ponto, estabelece o art. 5°, X da Constituição Federal que “X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
            Com já dito, a investigação por si só já causa um constrangimento ao investigado, justamente por ter sua vida privada e sua intimidade violadas. É necessário que ao investigado seja concedido o mínimo de direitos e garantias durante a investigação, que somente podem ser relativizados com autorização judicial. Com já mencionado acima, é possível extrair da lição de Guilherme de Souza Nucci acerca da possibilidade do Ministério Público conduzir investigações, que é necessário que haja fiscalização do Poder Judiciário, para que não haja em nosso ordenamento uma instituição “superpoderosa”.
            Apesar dos pontos apresentados neste trabalho, é possível sim trazer a “Teoria dos Poderes Implícitos” para o ordenamento jurídico brasileiro, desde que, como bem explicado pelo Ministro Gilmar Mendes, de maneira subsidiária, ou seja, em casos excepcionais, tais como aqueles em que há o envolvimento de policiais, evitando, assim, um certo corporativismo que influencia no direcionamento e na imparcialidade das investigações.


[1]Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais”.
[2] Lei complementar 75/93: Art. 7º Incumbe ao Ministério Público da União, sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais: I - instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos; II - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas;III - requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentos administrativos, ressalvados os de natureza disciplinar, podendo acompanhá-los e produzir provas.
Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência: I - notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada; II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta; III - requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e meios materiais necessários para a realização de atividades específicas; IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas; V - realizar inspeções e diligências investigatórias; VI - ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio; VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar; VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública; IX - requisitar o auxílio de força policial”.
[3] Art. 38. São funções institucionais do Ministério Público Federal as previstas nos Capítulos I, II, III e IV do Título I, incumbindo-lhe, especialmente: I - instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos; II - requisitar diligências investigatórias e instauração de inquérito policial, podendo acompanhá-los e apresentar provas; III - requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentos administrativos, ressalvados os de natureza disciplinar, podendo acompanhá-los e produzir provas; IV - exercer o controle externo da atividade das polícias federais, na forma do art. 9º; V - participar dos Conselhos Penitenciários; VI - integrar os órgãos colegiados previstos no § 2º do art. 6º, quando componentes da estrutura administrativa da União; VII - fiscalizar a execução da pena, nos processos de competência da Justiça Federal e da Justiça Eleitoral.

[4] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24ª edição. Atlas. 2009. pág. 690.
[5] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13ª edição. Lúmen Júris. Rio de Janeiro. 2010. pág. 94.
[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8ª edição. RT. São Paulo. 2008. Pág.79.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Juiz natural – art. 5°, LIII

Estabelece o art. 5°, LIII da CF: “ninguém será processado nem, sentenciado senão peça autoridade competente”. De acordo com este princípio há uma vedação ao Tribunal de exceção, ou seja, pauta-se na proibição de se constituir um órgão do Judiciário exclusivo apenas para o julgamento de determinada infração, para que se tenha um julgamento imparcial.
Pacelli traz a seguinte redação acerca deste princípio: “o direito brasileiro, adotando o juiz natural em suas duas vertentes fundamentais, a da vedação ao tribunal de exceção e a do juiz cuja competência seja definida anteriormente à prática do fato, reconhece como juiz natural o órgão do Poder Judiciário cuja competência, previamente estabelecida, derive e fontes constitucionais” [1].
Neste ponto traz aqui as questões relacionadas ao critério de especialização quanto à matéria, os foros por prerrogativas de função e, também, a convocação do Juiz de primeiro grau para “substituição” na Corte Superior.
No que tange às especializações a própria constituição estabeleceu critérios a respeito da distribuição de jurisdição, entendendo haver a justiça comum, dividida em Justiça Federal e Justiça Estadual; e a Justiça especializada, que engloba as Justiças militar, eleitoral, trabalhista, bem como o Tribunal do Júri para o Julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Interessante ressaltar, porém o entendimento de Pacelli com relação à competência decorrente de varas especializadas não sendo integrantes do princípio do Juiz natural já que tal competência decorre de distribuição ou especialização de matéria, resultantes das leis de organização judiciária.
Em relação aos foros por prerrogativa de função, que são garantias dadas ao detentor de determinado cargo público, objetivando um julgamento com maior imparcialidade e sem ingerências políticas são previstos nos seguintes artigos: competência do STF – art. 102 da CF; competência do STJ – art. 105 da CF; competência dos TRF’s – art. 108 da CF; competência dos Tribunais de Justiça – art. 96, III da CF.
Neste tema é possível ressaltar uma entre tantas questões problemáticas, porém já solucionada pelo STF com a edição da súmula 721, a qual estabelece que “a competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual”, ou seja, no caso da Constituição estadual de São Paulo, responderá no Tribunal do Júri o deputado estadual que cometer um crime doloso contra a vida de alguém, e não no Tribunal de Justiça.
A súmula 704 do STF também traz questão anteriormente controvertida. Tal entendimento estabelece que a atração de correu por continência ou conexão por aquele que possui foro de prerrogativa de função não viola o princípio do Juiz natural.
Por fim, também não há que se falar em violação ao princípio do Juiz natural  nos casos de convocação de juízes de primeiro grau para a substituição regular e regimental de membro de Tribunal nos casos em que feita exclusivamente para tal fim.
Pacelli sustenta que “em tais situações, a convocação do Juiz de primeiro grau atenderia às exigências constitucionais ligadas à efetividade jurisdicional, consoante se vê, inclusive, do art. 93, XII, (...). Nesses casos, o juiz convocado exerce jurisdição de segundo grau, qualificando-se como juiz natural, e justificado por norma e principiologia constitucional, além das referências expressas nas leis orgânicas da magistratura e nos regimentos dos tribunais” [2].
As regras acerca do Juiz natural podem ser resumidas nas determinações constitucionais acerca da jurisdição brasileira, lastreando-se no princípio da impessoalidade, bem como no princípio da eficiência, “subordinando, assim, as relações Estado – administrado, e também Estado – jurisdicionado”.
Portanto, pelas regras constitucionais, “(...) todos têm direito a um julgador desapaixonado e justo, previamente existente” [3].


[1] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13ª edição. Lúmen Júris. Rio de Janeiro. 2010. Pág. 39.
[2] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13ª edição. Lúmen Júris. Rio de Janeiro. 2010. Pág. 41.
[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8ª edição. RT. São Paulo. 2008. Pág. 41.