Recebi hoje de um grande amigo de turma da PUC uma reflexão feita por ele sobre as atuações policiais no RJ, no fim do ano de 2010.
Gostaria de parabenizá-lo pelo excelente texto e pelas belas abordagens feitas. Antes de apresentar o texto, farei uma pequena introdução, bem como, ao final, irei expor alguns comentários.
O que vem a ser Estado Democrático de Direito?
Estabelece o art. 1° da Constituição Federal Brasileira: "Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...)".
Para José Afonso da Silva, no que tange a lei no Estado Democrático de Direito, “(...) ele não pode ficar limitado a um conceito de lei, como o que imperou no Estado de Direito Clássico. Pois ele tem que estar em condições de realizar, mediante lei intervenções que impliquem diretamente uma alteração na situação da comunidade. Significa dizer: a lei não deve ficar numa esfera puramente normativa, não pode ser apenas lei de arbitragem, pois precisa influir na realidade social. (…) a lei se elevará, de importância, na medida em que, sendo fundamental expressão do direito positivo, caracteriza-se como desdobramento necessário do conteúdo da Constituição e aí exerce função transformadora da sociedade, impondo mudanças sociais democráticas, ainda que possa continuar a desempenhar uma função conservadora, garantindo a sobrevivência de valores socialmente aceitos” 1.
Diante disso, a função essencial da polícia é, diante da estrita observância da lei, assegurar, conforme estabelece o art. 144, “caput” da Constituição Federal, a ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Notem que o Estado do Rio de Janeiro agiu em estrita observância ao preceito constitucional.
Notem que o Estado do Rio de Janeiro agiu em estrita observância ao preceito constitucional.
Texto de Renato Gimenez escrito em 27/11/10
Para a reflexão que proponho, vamos inicialmente contemplar dois cenários:
Cenário A: Pouco mais de uma dúzia de indivíduos caminha por uma rua portando o que parece ser armamento pesado, sob a vigilância de um helicóptero que sobrevoa em segurança a alguns quilômetros dali. No rádio, militares discutem o que fazer com os indivíduos, até que vem a ordem e as pessoas que ali estão são atingidas por rajadas de metralhadora.
Cenário B: Pouco mais de uma dúzia de indivíduos portando o que parecem ser fuzis e metralhadoras fogem por uma rua de terra para a segurança de um morro vizinho, após serem expulsos de seu próprio reduto por policiais e fuzileiros navais. Imagens gravadas de um helicóptero que sobrevoa em segurança a alguns quilômetros dali mostram o momento em que um atirador da polícia militar abate com um disparo de fuzil um dos indivíduos, que é carregado por seus colegas até fora do enquadramento.
Os dois cenários tratam de conflitos paramilitares recentes, em lados opostos do planeta.
Em um deles, militares da marinha norte-americana mataram repórteres da imprensa internacional 2. No outro, policiais brasileiros mataram adolescentes.
Em um deles, o que pareciam armas eram câmeras e equipamento de filmagem. No outro, o que pareciam homens, eram adolescentes.
Em um deles, os responsáveis foram identificados, e se espera sejam punidos. No outro não.
Pude assistir as duas cenas durante o programa “Fantástico” da Rede Globo, em ocasiões e circunstâncias diferentes. No caso dos repórteres, o apresentador deu a notícia com pesar. No outro, juro que me pareceu empolgado com as cenas.
Sem adentrar o mérito da invasão das favelas da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão pelas forças policiais e militares, fato que já foi saturado pela mídia, não consigo deixar de notar a ausência de indignação pelo que mostram as imagens da ocupação das comunidades.
Os supostos traficantes (Princípio Constitucional da Presunção da Inocência, alguém?) estavam fugindo - o garoto atingido pelo atirador, especificamente, já estava longe e de costas quando do disparo.
A meu ver, é no mínimo uma tentativa de homicídio exemplar.
E não me falem em estrito cumprimento do dever legal, inexigibilidade de conduta diversa, nem, por favor, em relevante valor social. O garoto estava de costas!
Da última vez que chequei, a conduta do garoto (porte de arma de uso restrito, disparo de arma de fogo, formação de quadrilha, tráfico de drogas, ou seja lá o que lhe imputam) não era punida com execução sumária, nem tampouco o indivíduo que efetuou o disparo era qualificado para ser julgador e carrasco.
Ao questionar o fato, ouvi de um colega: “mas aquilo é um Estado de Guerra”. Não, não é! Aquilo deveria ser mero exercício do poder de polícia do Estado, que ao verificar o cometimento de um ato ilícito deveria submeter o(s) infrator(es) ao devido processo legal. Não meter-lhe um tiro de fuzil nas costas.
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O texto apresentando demonstra as atrocidades cometidas pelo Estado durante a ocupação dos morros do Rio de Janeiro, mas agora comento, sem tecer considerações acerca de um Estado democrático de direito.
Em um primeiro momento imaginam-se que atrocidades foram cometidas, e foram, mas creio que impossível seria culpar aquele que está sob condições adversas, atrás de uma arma e obedecendo ordens.
O Estado, omisso quanto à suas ações, é o causador de todo o caos no RJ e em muitas outras cidades deste enorme país. Graças ao Estado, a corrupção, a má distribuição de renda, e a outros fatores, que as favelas proliferaram, e continuam a crescer por todas as áreas de grande densidade demográfica e, consequentemente, graças ao Estado omisso que a criminalidade cresce cada vez mais.
O que mais me deixa indignado acerca de tudo isso é que graças ao Estado os morros foram ocupados e a violência tende a deixar de existir.
1SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª edição. Ed. Malheiros. 2006. Pág. 121.
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