terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Reflexão sobre a atuação policial no RJ

Recebi hoje de um grande amigo de turma da PUC uma reflexão feita por ele sobre as atuações policiais no RJ, no fim do ano de 2010.
Gostaria de parabenizá-lo pelo excelente texto e pelas belas abordagens feitas. Antes de apresentar o texto, farei uma pequena introdução, bem como, ao final, irei expor alguns comentários.

O que vem a ser Estado Democrático de Direito?

Estabelece o art. 1° da Constituição Federal Brasileira: "Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...)".
Para José Afonso da Silva, no que tange a lei no Estado Democrático de Direito, “(...) ele não pode ficar limitado a um conceito de lei, como o que imperou no Estado de Direito Clássico. Pois ele tem que estar em condições de realizar, mediante lei intervenções que impliquem diretamente uma alteração na situação da comunidade. Significa dizer: a lei não deve ficar numa esfera puramente normativa, não pode ser apenas lei de arbitragem, pois precisa influir na realidade social. (…) a lei se elevará, de importância, na medida em que, sendo fundamental expressão do direito positivo, caracteriza-se como desdobramento necessário do conteúdo da Constituição e aí exerce função transformadora da sociedade, impondo mudanças sociais democráticas, ainda que possa continuar a desempenhar uma função conservadora, garantindo a sobrevivência de valores socialmente aceitos” 1.
Diante disso, a função essencial da polícia é, diante da estrita observância da lei, assegurar, conforme estabelece o art. 144, “caput” da Constituição Federal, a ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Notem que o Estado do Rio de Janeiro agiu em estrita observância ao preceito constitucional.

Texto de Renato Gimenez escrito em 27/11/10
Para a reflexão que proponho, vamos inicialmente contemplar dois cenários:

Cenário A: Pouco mais de uma dúzia de indivíduos caminha por uma rua portando o que parece ser armamento pesado, sob a vigilância de um helicóptero que sobrevoa em segurança a alguns quilômetros dali. No rádio, militares discutem o que fazer com os indivíduos, até que vem a ordem e as pessoas que ali estão são atingidas por rajadas de metralhadora.
Cenário B: Pouco mais de uma dúzia de indivíduos portando o que parecem ser fuzis e metralhadoras fogem por uma rua de terra para a segurança de um morro vizinho, após serem expulsos de seu próprio reduto por policiais e fuzileiros navais. Imagens gravadas de um helicóptero que sobrevoa em segurança a alguns quilômetros dali mostram o momento em que um atirador da polícia militar abate com um disparo de fuzil um dos indivíduos, que é carregado por seus colegas até fora do enquadramento.
Os dois cenários tratam de conflitos paramilitares recentes, em lados opostos do planeta.
Em um deles, militares da marinha norte-americana mataram repórteres da imprensa internacional 2. No outro, policiais brasileiros mataram adolescentes.
Em um deles, o que pareciam armas eram câmeras e equipamento de filmagem. No outro, o que pareciam homens, eram adolescentes.
Em um deles, os responsáveis foram identificados, e se espera sejam punidos. No outro não.
Pude assistir as duas cenas durante o programa “Fantástico” da Rede Globo, em ocasiões e circunstâncias diferentes. No caso dos repórteres, o apresentador deu a notícia com pesar. No outro, juro que me pareceu empolgado com as cenas.
Sem adentrar o mérito da invasão das favelas da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão pelas forças policiais e militares, fato que já foi saturado pela mídia, não consigo deixar de notar a ausência de indignação pelo que mostram as imagens da ocupação das comunidades.
Os supostos traficantes (Princípio Constitucional da Presunção da Inocência, alguém?) estavam fugindo - o garoto atingido pelo atirador, especificamente, já estava longe e de costas quando do disparo.
A meu ver, é no mínimo uma tentativa de homicídio exemplar.
E não me falem em estrito cumprimento do dever legal, inexigibilidade de conduta diversa, nem, por favor, em relevante valor social. O garoto estava de costas!
Da última vez que chequei, a conduta do garoto (porte de arma de uso restrito, disparo de arma de fogo, formação de quadrilha, tráfico de drogas, ou seja lá o que lhe imputam) não era punida com execução sumária, nem tampouco o indivíduo que efetuou o disparo era qualificado para ser julgador e carrasco.
Ao questionar o fato, ouvi de um colega: “mas aquilo é um Estado de Guerra”. Não, não é! Aquilo deveria ser mero exercício do poder de polícia do Estado, que ao verificar o cometimento de um ato ilícito deveria submeter o(s) infrator(es) ao devido processo legal. Não meter-lhe um tiro de fuzil nas costas.
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O texto apresentando demonstra as atrocidades cometidas pelo Estado durante a ocupação dos morros do Rio de Janeiro, mas agora comento, sem tecer considerações acerca de um Estado democrático de direito.
Em um primeiro momento imaginam-se que atrocidades foram cometidas, e foram, mas creio que impossível seria culpar aquele que está sob condições adversas, atrás de uma arma e obedecendo ordens.
O Estado, omisso quanto à suas ações, é o causador de todo o caos no RJ e em muitas outras cidades deste enorme país. Graças ao Estado, a corrupção, a má distribuição de renda, e a outros fatores, que as favelas proliferaram, e continuam a crescer por todas as áreas de grande densidade demográfica e, consequentemente, graças ao Estado omisso que a criminalidade cresce cada vez mais.
O que mais me deixa indignado acerca de tudo isso é que graças ao Estado os morros foram ocupados e a violência tende a deixar de existir.

1SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª edição. Ed. Malheiros. 2006. Pág. 121.

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