1 – INTRODUÇÃO
Publicada em 20.12.12, a nova lei que altera
a redação do art. 306 do CTB já causa polêmica no que tange a sua aplicação.
Tal problemática se dá quanto aos meios de provas mencionados no § 2° do presente
artigo.
A nova lei que alterou o art. 306
do CTB o deixou da seguinte forma:
““Art. 306. Conduzir
veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de
álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:
§ 1o As
condutas previstas no caput serão constatadas por:
I - concentração igual ou superior a 6 decigramas
de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool
por litro de ar alveolar; ou
II - sinais que indiquem, na forma disciplinada
pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.
§ 2o A verificação do disposto neste
artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia,
vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos,
observado o direito à contraprova.
§ 3o O Contran disporá sobre a equivalência
entre os distintos testes de alcoolemia para efeito de caracterização do crime
tipificado neste artigo.”
Cabe aqui estabelecer alguns
parâmetros que devem ser observados pelo aplicador do Direito.
Num primeiro momento nota-se a
que há uma lei penal com aspectos processuais penais, uma vez que disciplina
meios de prova, o que pode ser observado no § 2° do art. 306. Num segundo
momento, observa-se que é uma lei penal (com aspectos processuais) gravosa,
pois possibilita meios anteriormente não admitidos como sendo possíveis para a
verificação de embriaguez do condutor. Neste ponto, decidiu o STJ no HC
239518/SP:
“PENAL. HABEAS CORPUS. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DA LEI N.º 9.503/97. LAUDO ATESTANDO A INCIDÊNCIA ALCÓOLICA. AUSÊNCIA DE AFERIÇÃO. BAFÔMETRO NÃO REALIZADO. INEXISTÊNCIA DE EXAME DE SANGUE. ÍNDICE APURADO DIANTE DOS SINAIS CLÍNICOS E MANIFESTAÇÕES FÍSICAS E PSÍQUICAS DO AVALIADO. IMPOSSIBILIDADE. TIPICIDADE. AUSÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECONHECIMENTO. ORDEM CONCEDIDA.
1. Com a redação
conferida ao artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro pela Lei 11.705/08,
tornou-se imperioso, para o reconhecimento de tipicidade do comportamento de
embriaguez ao volante, a aferição da concentração de álcool no sangue.
2. Ausente a
sujeição a etilômetro ou a exame sanguíneo, torna-se inviável a
responsabilização criminal, visto a impossibilidade de se aferir a existência
da concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis)
decigramas por um exame no qual se atenha unicamente aos sinais clínicos e às
manifestações físicas e psíquicas do avaliado”.
2
– DA CAPACIDADE PSICOMOTORA ALTERADA COMO ELEMENTAR DO TIPO
Conforme ensina Gustavo Octaviano
D. Junqueira,
“Elementares
são os dados essenciais da figura típica, sem os quais ocorre a atipicidade
absoluta ou relativa. Há atipicidade absoluta quando, com a eliminação
hipotética do dado, a conduta deixa de ser relevante penal. Consideramos que
houve atipicidade relativa quando a exclusão hipotética do dado resulta na alteração
da classificação típica (....)” (JUNQUEIRA. Direto Penal. Elementos do Direito.
2012. Pag. 69).
Eis aqui um problema quanto à
nova lei. De se notar, que não basta a condução de veículo sobre a influência
de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência, é necessário que haja também
alteração da capacidade psicomotora do condutor do veículo em razão da ingestão
de tais substâncias.
Nesta
toada, a capacidade psicomotora do condutor do veículo é determinante para a
caracterização do crime do art. 306 do CTB. Se o agente, ainda que esteja
conduzindo o veículo com concentração de álcool por litro de sangue superior a
6 decigramas sem que sua capacidade psicomotora esteja alterada, não haverá
incidência no presente tipo penal, pois ausente a elementar, caracterizada a
atipicidade absoluta do tipo.
Com
base em tal entendimento, deverá o Delegado de Polícia, em laudo preliminar,
elaborar dois quesitos: 1 – o agente possui concentração de álcool por litro de
sangue igual ou superior a 6 decigramas, ou o agente possui concentração de
álcool por litro de ar expelido igual ou superior a 0,3 miligramas; ou se o
agente ingeriu substância psicoativa que cause dependência? (Em caso positivo)
2 – há alteração da capacidade psicomotora do agente em razão da quantidade de álcool
ingerido ou em razão da substância psicoativa utilizada?
De
se notar, que é possível, inclusive, a direção de veículo automotor com
alteração da capacidade psicomotora do condutor em razão sem a ingestão de
nenhuma das substâncias previstas em lei, por exemplo, nos casos de portador de
DIABETS tipo 2:
“Os primeiros
sintomas de diabetes podem ser: Infecção na bexiga, no rim, na pele ou outras
infecções que são mais frequentes ou curam lentamente; Fadiga; Fome; Aumento da
sede; Aumento do volume da urina. O primeiro sintoma também pode ser: Visão
turva; Disfunção erétil; Dor ou dormência
nas mãos ou pés”.(http://www.minhavida.com.br/saude/temas/diabetes-tipo-2
- acesso em 26.12.2012).
3 – DOS MEIOS DE PROVA PARA A
CONTATAÇÃO DA EMBRIAGUEZ
Conforme
disciplina o § 2° da nova lei, em síntese, é admitido todos os meios de prova
possíveis em direito para a aferição da embriaguez do condutor de veículo
automotor, sendo permitida a contra prova.
Ainda
que haja esta ampla possibilidade, por ser crime não transeunte, ou seja, que
deixa vestígios, é necessário, nos termos do art. 158 do CPP o exame pericial,
que deve ser realizado por um perito oficial ou, em sua falta por dois peritos
nomeados portadores de diploma de curso superior.
O
exame clínico, realizado pelo Médico Legista, não poderá ser suprido por
qualquer exame de alcoolemia, uma vez que, em acordo com o entendimento
exposto, é necessária aferição de que há alteração da capacidade psicomotora
para na condução de veículo automotor.
Mas
não podemos ficar apenas no plano perfeito da teoria. É de conhecimento de
todos que em alguns lugares do Estado de São Paulo não há Médico Legista de
Plantão para a realização deste exame clínico.
Sendo
assim, ausente médico plantonista é possível, preliminarmente, que sejam
utilizados os demais meios de prova admitidos em direito, ou seja, os meios de
prova trazidos pelo § 2° do art. 306 em consonância com o art. 167 do CPP que
disciplina o seguinte: “Não sendo possível o exame de corpo de delito, por
haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a
falta”.
Não
há impeditivo também, a realização de exame de corpo de delito indireto em
papeletas médicas de atendimento, caso em que seja necessário o socorro de
condutor de veículo à um hospital para atendimento de urgência.
Outro
aspecto que merece ser suscitados acerca de tais meios de prova para aferição
da embriaguez é a necessidade ou não de normatização do CONTRAN sobre o tema.
Pauto
meu entendimento que, com exceção do exame clínico, os demais meios de prova
devem ser normatizados pelo CONTRAN, uma vez que determinados sinais não são
inerentes, exclusivamente, à embriaguez, por exemplo.
Neste
sentido, como uma testemunha poderá aferir se um agente está sob a influência
de maconha, por exemplo, uma vez a condução do veículo automotor sob a
influência de qualquer droga acarreta o crime em tela.
Não
devemos ser levianos e interpretar o tipo penal pela metade, ou seja, apenas
sob o ponto de vista de embriaguez. Sendo assim, ainda que não haja
regulamentação específica do CONTRAN sobre o tema (cabe lembrar que há a
regulamentação 206/06 sobre o tema – que disciplina parcialmente o tema em
questão), devemos aplicar a nova lei sob o ponto de vista da estrita
legalidade.
4 – CONCLUSÃO
Não
há duvidas que a intenção do legislador foi a melhor possível, e que a lei visa
uma diminuição nos acidentes de trânsito com vítimas fatais. A grande questão é
que os aplicadores do direito devem pautar-se na estrita legalidade para a
aplicação da legislação, bem como, mais do que tudo, na observância de
princípios constitucionais.
Por
óbvio que não deve ser admitido, em nenhuma hipótese, a ingestão de bebida
alcoólica, bem como o uso de substâncias psicotrópicas antes da condução de
veículo automotor, uma vez que este pode se tornar instrumento de crime.
O
que não se pode fazer é aplicar a nova legislação com a mesma rapidez e
ausência de raciocínio como se deu para sua aprovação, ou seja, “a toque de
caixa”. É necessário muita perspicácia no dia-a-dia, principalmente para os
Delegados de Polícia, que se deparam com uma lei nova, de imediata aplicação,
sem que tal esteja totalmente regulamentada. Para nós, primeiros interpretes da
lei, ficamos entre a cruz e a espada, ou seja, entre a crítica da imprensa nos
casos de aplicação da lei conforme o direito e a glória de realizar prisões
infundadas para satisfazer a ânsia de todos por punição.
Devemos
lembrar que não cabe à polícia punir o agente delitivo, mas sim ao poder
judiciário, nada impede que o Delegado de Polícia se abstenha de lavrar o
flagrante nos casos de embriaguez ao volante (em termos genéricos), mas adote
medidas administrativas que impossibilitem nova condução do agente, tal como a
medida de suspensão da permissão ou da habilitação para a condução de veículo
automotor prevista no artigo 294 do CTB.
Portanto,
a aplicação de qualquer lei deve ser realizada pelos interpretes e estudiosos
do Direito, e não pela opinião pública massificada pela imprensa, mas não
podemos esquecer que a opinião é algo que está presente intrinsicamente em cada
um e que deve ser respeitada.
RAPHAEL ZANON DA SILVA – DELEGADO DE POLÍCIA DO
ESTADO DE SÃO PAULO – PÓS GRADUADO EM DIREITO PÚBLICO PELA FDDJ – ESPECIALISTA
EM DIREITO PROCESSUAL PENAL PELA EPM/SP.