quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

A Lei 12.760/12 – Aplicação e Problemática


1 – INTRODUÇÃO

Publicada em 20.12.12, a nova lei que altera a redação do art. 306 do CTB já causa polêmica no que tange a sua aplicação. Tal problemática se dá quanto aos meios de provas mencionados no § 2° do presente artigo.

               A nova lei que alterou o art. 306 do CTB o deixou da seguinte forma:

Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:

§ 1o As condutas previstas no caput serão constatadas por:

I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou

II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.

§ 2o A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.

§ 3o O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.”

 

               Cabe aqui estabelecer alguns parâmetros que devem ser observados pelo aplicador do Direito.

               Num primeiro momento nota-se a que há uma lei penal com aspectos processuais penais, uma vez que disciplina meios de prova, o que pode ser observado no § 2° do art. 306. Num segundo momento, observa-se que é uma lei penal (com aspectos processuais) gravosa, pois possibilita meios anteriormente não admitidos como sendo possíveis para a verificação de embriaguez do condutor. Neste ponto, decidiu o STJ no HC 239518/SP:

“PENAL. HABEAS CORPUS. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DA LEI N.º 9.503/97. LAUDO ATESTANDO A INCIDÊNCIA ALCÓOLICA. AUSÊNCIA DE AFERIÇÃO. BAFÔMETRO NÃO REALIZADO. INEXISTÊNCIA DE EXAME DE SANGUE. ÍNDICE APURADO DIANTE DOS SINAIS CLÍNICOS E MANIFESTAÇÕES FÍSICAS E PSÍQUICAS DO AVALIADO. IMPOSSIBILIDADE. TIPICIDADE. AUSÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECONHECIMENTO. ORDEM CONCEDIDA.

1. Com a redação conferida ao artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro pela Lei 11.705/08, tornou-se imperioso, para o reconhecimento de tipicidade do comportamento de embriaguez ao volante, a aferição da concentração de álcool no sangue.

2. Ausente a sujeição a etilômetro ou a exame sanguíneo, torna-se inviável a responsabilização criminal, visto a impossibilidade de se aferir a existência da concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas por um exame no qual se atenha unicamente aos sinais clínicos e às manifestações físicas e psíquicas do avaliado”.

              

               2 – DA CAPACIDADE PSICOMOTORA ALTERADA COMO ELEMENTAR DO TIPO

               Conforme ensina Gustavo Octaviano D. Junqueira,

“Elementares são os dados essenciais da figura típica, sem os quais ocorre a atipicidade absoluta ou relativa. Há atipicidade absoluta quando, com a eliminação hipotética do dado, a conduta deixa de ser relevante penal. Consideramos que houve atipicidade relativa quando a exclusão hipotética do dado resulta na alteração da classificação típica (....)” (JUNQUEIRA. Direto Penal. Elementos do Direito. 2012. Pag. 69).

               Eis aqui um problema quanto à nova lei. De se notar, que não basta a condução de veículo sobre a influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência, é necessário que haja também alteração da capacidade psicomotora do condutor do veículo em razão da ingestão de tais substâncias.

               Nesta toada, a capacidade psicomotora do condutor do veículo é determinante para a caracterização do crime do art. 306 do CTB. Se o agente, ainda que esteja conduzindo o veículo com concentração de álcool por litro de sangue superior a 6 decigramas sem que sua capacidade psicomotora esteja alterada, não haverá incidência no presente tipo penal, pois ausente a elementar, caracterizada a atipicidade absoluta do tipo.

               Com base em tal entendimento, deverá o Delegado de Polícia, em laudo preliminar, elaborar dois quesitos: 1 – o agente possui concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas, ou o agente possui concentração de álcool por litro de ar expelido igual ou superior a 0,3 miligramas; ou se o agente ingeriu substância psicoativa que cause dependência? (Em caso positivo) 2 – há alteração da capacidade psicomotora do agente em razão da quantidade de álcool ingerido ou em razão da substância psicoativa utilizada?

               De se notar, que é possível, inclusive, a direção de veículo automotor com alteração da capacidade psicomotora do condutor em razão sem a ingestão de nenhuma das substâncias previstas em lei, por exemplo, nos casos de portador de DIABETS tipo 2:

“Os primeiros sintomas de diabetes podem ser: Infecção na bexiga, no rim, na pele ou outras infecções que são mais frequentes ou curam lentamente; Fadiga; Fome; Aumento da sede; Aumento do volume da urina. O primeiro sintoma também pode ser: Visão turva; Disfunção erétil; Dor ou dormência nas mãos ou pés”.(http://www.minhavida.com.br/saude/temas/diabetes-tipo-2 - acesso em 26.12.2012).

 

               3 – DOS MEIOS DE PROVA PARA A CONTATAÇÃO DA EMBRIAGUEZ

               Conforme disciplina o § 2° da nova lei, em síntese, é admitido todos os meios de prova possíveis em direito para a aferição da embriaguez do condutor de veículo automotor, sendo permitida a contra prova.

               Ainda que haja esta ampla possibilidade, por ser crime não transeunte, ou seja, que deixa vestígios, é necessário, nos termos do art. 158 do CPP o exame pericial, que deve ser realizado por um perito oficial ou, em sua falta por dois peritos nomeados portadores de diploma de curso superior.

               O exame clínico, realizado pelo Médico Legista, não poderá ser suprido por qualquer exame de alcoolemia, uma vez que, em acordo com o entendimento exposto, é necessária aferição de que há alteração da capacidade psicomotora para na condução de veículo automotor.

               Mas não podemos ficar apenas no plano perfeito da teoria. É de conhecimento de todos que em alguns lugares do Estado de São Paulo não há Médico Legista de Plantão para a realização deste exame clínico.

               Sendo assim, ausente médico plantonista é possível, preliminarmente, que sejam utilizados os demais meios de prova admitidos em direito, ou seja, os meios de prova trazidos pelo § 2° do art. 306 em consonância com o art. 167 do CPP que disciplina o seguinte: “Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”.

               Não há impeditivo também, a realização de exame de corpo de delito indireto em papeletas médicas de atendimento, caso em que seja necessário o socorro de condutor de veículo à um hospital para atendimento de urgência.

               Outro aspecto que merece ser suscitados acerca de tais meios de prova para aferição da embriaguez é a necessidade ou não de normatização do CONTRAN sobre o tema.

               Pauto meu entendimento que, com exceção do exame clínico, os demais meios de prova devem ser normatizados pelo CONTRAN, uma vez que determinados sinais não são inerentes, exclusivamente, à embriaguez, por exemplo.

               Neste sentido, como uma testemunha poderá aferir se um agente está sob a influência de maconha, por exemplo, uma vez a condução do veículo automotor sob a influência de qualquer droga acarreta o crime em tela.

               Não devemos ser levianos e interpretar o tipo penal pela metade, ou seja, apenas sob o ponto de vista de embriaguez. Sendo assim, ainda que não haja regulamentação específica do CONTRAN sobre o tema (cabe lembrar que há a regulamentação 206/06 sobre o tema – que disciplina parcialmente o tema em questão), devemos aplicar a nova lei sob o ponto de vista da estrita legalidade.

 

               4 – CONCLUSÃO

               Não há duvidas que a intenção do legislador foi a melhor possível, e que a lei visa uma diminuição nos acidentes de trânsito com vítimas fatais. A grande questão é que os aplicadores do direito devem pautar-se na estrita legalidade para a aplicação da legislação, bem como, mais do que tudo, na observância de princípios constitucionais.

               Por óbvio que não deve ser admitido, em nenhuma hipótese, a ingestão de bebida alcoólica, bem como o uso de substâncias psicotrópicas antes da condução de veículo automotor, uma vez que este pode se tornar instrumento de crime.

               O que não se pode fazer é aplicar a nova legislação com a mesma rapidez e ausência de raciocínio como se deu para sua aprovação, ou seja, “a toque de caixa”. É necessário muita perspicácia no dia-a-dia, principalmente para os Delegados de Polícia, que se deparam com uma lei nova, de imediata aplicação, sem que tal esteja totalmente regulamentada. Para nós, primeiros interpretes da lei, ficamos entre a cruz e a espada, ou seja, entre a crítica da imprensa nos casos de aplicação da lei conforme o direito e a glória de realizar prisões infundadas para satisfazer a ânsia de todos por punição.

               Devemos lembrar que não cabe à polícia punir o agente delitivo, mas sim ao poder judiciário, nada impede que o Delegado de Polícia se abstenha de lavrar o flagrante nos casos de embriaguez ao volante (em termos genéricos), mas adote medidas administrativas que impossibilitem nova condução do agente, tal como a medida de suspensão da permissão ou da habilitação para a condução de veículo automotor prevista no artigo 294 do CTB.

               Portanto, a aplicação de qualquer lei deve ser realizada pelos interpretes e estudiosos do Direito, e não pela opinião pública massificada pela imprensa, mas não podemos esquecer que a opinião é algo que está presente intrinsicamente em cada um e que deve ser respeitada.

 

 

 

 

RAPHAEL ZANON DA SILVA – DELEGADO DE POLÍCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO – PÓS GRADUADO EM DIREITO PÚBLICO PELA FDDJ – ESPECIALISTA EM DIREITO PROCESSUAL PENAL PELA EPM/SP.

 

              

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Relatório IP


Prezados, segue relatório de IP feito por mim no 22° DP para sugestões e críticas. 
 
 
 
RELATÓRIO FINAL DE INQUÉRITO POLICIAL

 

REF.: IP 380/12

AUTOR: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

VÍTIMA: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

ILÍCITO PENAL: art. 299 do CP

 

MM JUIZ DE DIREITO

 

               A POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO, representada neste ato pela Delegacia de Polícia subscritora, que no uso de suas atribuições legais e regulamentares conferidas pelo art. 144, § 4°, da Constituição da República; art. 140, da Constituição Estadual Paulista; art. 4° e seguintes do Código de Processo Penal Brasileiro; art. 12 da Portaria DGP 18/1998; e demais dispositivos legais correlatos, respeitosamente reporta-se a V. Excelência pelo presente RELATÓRIO, com base no art. 10, § 1° do CPP.

 

DOS FATOS

 

               Foi requisitada a instauração de Inquérito Policial pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara da Família e Sucessões do Foro de São Miguel Paulista, Dr. Zary de Oliveira Costa Filho em desfavor da suposta autora do crime de falsidade ideológica (art. 299 do CP) por utilizar o patronímico de seu ex-cônjuge após a averbação de alteração do nome em seu registro de casamento.

               Instaurado o Inquérito Policial em 05 de Maio de 2012 com base em peças de informação extraídas do processo n° 0023450-74.2011.8.26.0005, remetidas por ofício, a Autoridade Policial deu início às investigações.

               A averiguada é divorciada de seu ex-cônjuge, como demonstra os documentos às fls. 23 do presente procedimento, sendo que desde o ano de 1992 houve a averbação definitiva junto a certidão de casamento da averiguada e da vítima, afim de que retirasse o patronímico de seu marido de seu nome.

               Constatou-se que vítima houvera ingressado com ação cível pleiteando obrigação de fazer cumulado com pedido liminar (11.08.2011) objetivando que sua ex-cônjuge retira-se de seu nome civil o antigo nome de casada. Declarou a vítima que a suposta autora da prática do presente crime “(...) continua a contrair dívidas, realizar financiamentos e demandar judicialmente com seu antigo nome, motivos mais que suficientes para causar temor ao autor (...)” – fls. 09.

               Comprovou que a averiguada continuara a ostentar o nome de casada com a juntada de conta de luz em nome dela (fls. 24) e com a cópia de seu documento de identidade (fls. 25).

               Com relação à ação cível, em 10.10.2011, foi extinta sem julgamento do mérito, uma vez que o MM Juiz entendeu não ser questão que de competência cível, mas sim criminal.

               Conforme consta neste procedimento, fls. 35, a averiguada providenciou 2ª via de seu RG na data de 29.03.2001, sendo que ainda ostentava o patronímico de seu ex-cônjuge em seu nome.

               Intimada para prestar Declarações (fls. 46), a vítima alega que somente teve conhecimento de que a averiguada continuara com a utilização de seu patronímico em 2010, época em que a averiguada ingressou com ação pleiteando alimentos para sua filha, que é portadora de necessidades especiais.

               Intimada a averiguada para prestar declarações (fls. 67), devidamente assistida por sua advogada, declarou que tinha ciência da necessidade de retirar o patronímico de seu marido de seu nome, porém entendia que não haveria problema em manter seu nome como antes. Declarou também que em nenhum momento contraiu dívida objetivando prejudicar interesse de terceiro, bem como, após orientação de sua advogada, providenciou nova via de RG sem que constasse o patronímico de seu marido (fls. 68).

 

 

              

DO DIREITO

 

               Como é sabido, o nome é atributo da personalidade e serve para a individualização do ser humano, podendo ser alterado, dentre outros casos, pela alteração do estado civil. Ainda que a dissolução do vínculo conjugal realizou-se sob a égide do antigo Código Civil, vale a pena trazer à colação, a título de ilustração, as disposições do novo CC sobre o instituo em tela.

               Dispõe o art. 1565, § 1° do CC/02:

“Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.

§ 1° Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu sobrenome do outro”

 

               Da mesma forma, “o cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente (...)”, conforme estabelece o art. 1578 do CC/02.

               Sob a ótica criminal, estabelece o art. 299 do CP:

“Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular”.

 

               Para o finalismo, teoria esta adotada pela doutrina brasileira, toda a ação humana é movida a uma finalidade, portanto, ao lado da conduta encontra-se o lado subjetivo do agente (dolo), sendo necessário para a comprovação da pratica do crime doloso, além da conduta, o nexo de causalidade e o resultado.

               Trata-se de crime formal, ou seja, dispensa a ocorrência de dano efetivo, sendo suficiente que o documento ideologicamente falso tenha potencialidade lesiva.

               Para o tipo penal do art. 299 do CP, mais do que necessário a existência dolo, é a necessidade da existência do elemento subjetivo específico, consistente na vontade  de “prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.  Assim. Para Guilherme de Souza Nucci, “a falsificação que não conduza a qualquer desses três resultados deve ser considerada penalmente indiferente” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 2012. Pág. 119).

               Nessa mesma ótica, encontra-se jurisprudência do TRF-04, no ACR 2006.72.12.000169-7 – SC:

“A caracterização do delito de falsidade exige, de forma concomitante, além da realização de algum dos verbos, o dolo, consistente na vontade, livre e consciente, de praticar algumas das condutas descritas no tipo, bem como o elemento subjetivo, que se caracteriza pelo fim de prejudicar direito (...)”.

 

               Outro argumento doutrinário de interesse ó trazido na RT 525/349, o qual inexiste o crime quando a falsa ideia recai sobre documento (público ou verdadeiro) cujo conteúdo esta sujeito a fiscalização da autoridade.

               Por fim, no que tange ao exame pericial, diversamente da falsidade material, não é cabível.              

 

CONCLUSÃO

               Conforme o recente Manual de Policia judiciária,

“(...) o relatório, peça técnica com forte conteúdo subjetivo, nada impedindo que nele sejam inseridos opiniões ou impressões pessoais, doutrinárias é até jurisprudenciais, determinando o juízo de valor da autoridade policial e que servem para indicar as razões do seu convencimento sobre o término do inquérito policial” (Manual de Polícia Judiciária. 6ª edição. 2012. Pág. 59).

 

Assim, após análise do conjunto probatório presente neste procedimento, bem como pelos fundamentos jurídicos expostos, não vejo conduta típica da averiguada, uma vez que não possível, durante a fase inquisitorial, verificar a existência de dolo em sua conduta. Poder-se-ia dizer, apenas, que fora negligente ao não providenciar a respectiva alteração em seu registro geral.

Outro aspecto de interesse é que o crime de falsidade ideológica, caso fosse verificada sua existência, teria se consumado na data da expedição do RG, ou seja, em 29.03.2001. Como a vítima não agiu dolosamente, em acordo com o entendimento desta autoridade, ao providenciar segunda via do RG, não se poderá falar em uso de documento falso, com relação a utilização deste documento na ação revisional, já que desconhecia a sua falsidade.

Com relação a eventual prejuízo, a vítima, Sr. xxxxxxxxxxxxx, sequer demonstrou qualquer resultado danoso a seu patrimônio ou outro bem jurídico penalmente tutelado pela conduta da averiguada, motivo pelo qual, com mais razão, o fato não merece tutela do direito penal, que é pautado, principalmente, pelo princípio da lesividade da conduta.

Diante do exposto, pela ausência de elemento subjetivo e por não lesar bem jurídico de terceiro não há que se falar em fato típico, sugerindo esta autoridade que o presente procedimento seja arquivado. Para tanto, remeto os autos ao MM Juiz para que abra vista ao Ministério Público para que tome as providências previstas no Código de Processo Penal brasileiro.

 

É o relatório

 

 

São Paulo, 30 de novembro de 2012

 

 

 

 

 

 

RAPHAEL ZANON DA SILVA

Delegado de Polícia

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Justificativa da aplicação do Princípio da Insignificância pelo Delegado de Polícia


A autoridade policial é o primeiro bastião de defesa dos direitos fundamentais. Essa condição gera diversos deveres. O principal, sem dúvida, é impedir que o agente seja privado injustamente da sua liberdade por conduta que, ao final do processo, não seja considerada criminosa.

A prisão decorrente de conduta totalmente insignificante (ex.: sujeito entra em uma rede de supermercados e subtrai bem que vale R$ 1,99) não se coaduna com os princípios que norteiam o Direito Penal Contemporâneo. Ora, se estamos diante de uma causa supralegal de exclusão da tipicidade material, o fato é atípico e, sendo assim, não é razoável prender alguém que praticou um fato atípico.

Com relação a possível incompatibilidade entre a aplicação do princípio da insignificância e o princípio da obrigatoriedade do Inquérito Policial, a insignificância não é incompatível. Ainda que haja a presença de situação flagrancial, deverá o Delegado de Polícia deixar de lavrar o Auto de Prisão em Flagrante, porém, não poderá a autoridade dexar de agir, sob pena de praticar crime de prevaricação.

À guisa de reforço argumentativo, observe-se que a prisão em flagrante é composta por momentos distintos, ou seja, a exclusão do último (recolhimento ao cárcere) não impede a implementação dos anteriores (captura, apresentação e lavratura do auto). Vale lembrar, por oportuno, que a atividade desempenhada pelo Delegado de Polícia envolve uma certa dose de discricionariedade, característica que permite a avaliação do fato típico em todas as suas divisões, uma vez que somente haverá crime, se a conduta for, ao menos, detentora de tipicidade e de antijuridicidade.

Cabe ao Delegado de Polícia, como detentor do Poder jurídico social de constritor de liberdade decidir a problematização entre o cárcere e a liberdade, e não tão somente agir como uma máquina de subsunção típica do fato à norma. Se assim fosse, de nada serviria sua presença em situações flagranciais apresentadas pela Polícia Militar ou terceiros.

Acredito que o andamento para ocorrência seja o seguinte:

Deverá a autoridade policial lavrar um B.O circunstanciado, ouvindo todos aqueles envolvidos na ocorrência e, após, relatá-lo (com sugestão de arquivamento pela atipicidade material da conduta), enviá-lo ao Juiz para que abra prazo para o MP requerer o arquivamento formal do Inquérito Policial pelo mesmo argumento.
Ademais, de grande importância para o suspeito em ter o IP arquivado pela atipicidade do fato, vez que gera coisa julgada material.

               Por fim, a aplicação de tal entendimento deverá ser feito com base nas possibilidades da aplicação do referido princípio, ou seja, somente deverá o Delegado de Polícia agir desta forma se presentes determinados requisitos, tal como a ausência de notícias crimes do autor na prática delitiva.

 

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Art. 218 do Código Penal - Comentários

ART. 218 – CORRUPÇÃO DE MENORES

É a modalidade de lenocínio cujo sujeito passivo é menor de 14 anos, espécie de vulnerável.
O verbo típico é o induzimento que se caracteriza por fazer surgir na mente do menor de 14 anos o intuito de satisfazer a lascívia de outrem, corrompendo, assim, a liberdade sexual do sujeito passivo.
Interessante que aquele que induz o menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem incorre no presente crime, desde que o terceiro não pratique as condutas descritas pelo art. 213. O terceiro que tem sua lascívia satisfeita, caso pratique ato sexual com o menor incorrerá em estupro de vulnerável, e o agente que induziu a vítima será partícipe de tal crime. Ocorre que, se o terceiro somente assiste o menor, sem, ao menos tocá-lo, não incorrerá em conduta típica alguma, restando, apenas, a punição do agente indutor.
Desta forma Rogério Sanches entende que “diferentemente do lenocínio comum, no art. 218, o ato a que o menor vulnerável é induzido a praticar não pode consistir em conjunção carnal ou atos libidinosos diversos da cópula normal, casos em que, ocorrendo sua prática efetiva, configurado estará o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), tanto para quem induz, tanto para quem deles participa diretamente” [1].
Por ser crime formal basta o induzimento para o crime se consumar, caso o menor satisfaça a lascívia de outrem, sem que haja contato físico, haverá mero exaurimento crime, que é um irrelevante penal.
Caso o agente induza vítima maior de 14 anos e menor de 18 anos a satisfazer a lascívia de outrem, incorrerá no crime previsto pelo art. 227, § 1° do CP (mediação para servir a lascívia de outrem). Se a vítima contar com mais de 18 anos caracterizar-se-á o crime do art. 227, “caput” do CP.

1. Art. 218 X ECA: entendemos que tal conduta não se confunde com o crime previsto pelo art. 244-B do ECA. Enquanto o primeiro diz respeito à corrupção sexual do menor, o segundo diz respeito à corrupção moral do menor, incidindo, também nos casos em que o menor tenha entre 14 e 18 anos de idade.
Gustavo Octaviano D. Junqueira vai além: “se o menor é induzido a praticar atos libidinosos sem o contato com terceiro (via Internet, por exemplo), para satisfazer a lascívia daquele que o induz? Não há estupro contra vulnerável, pois nenhum ato foi praticado com menor. Não há também o presente crime, pois o objetivo não satisfazer a lascívia de outrem, mas sim do próprio sujeito ativo (...). A única solução possível é a tipificação no art. 241-D, p. único, II do ECA” [2]
Ocorre que tal conduta, somente protege aquele menor de 12 anos, ou seja, criança, pela própria redação do “caput” do artigo, sendo que atípica será a conduta se a vítima contar com mais de 12 anos de idade e menos de 14 anos.


[1] CUNHA, Rogério Sanches. SILVA, Davi Castro. Código Penal para Concursos. 4° edição. 2011. Editora Juspodivm. Salvador. Pág. 418.
[2] JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Direito Penal. Coleção Elementos do Direito. 9° edição. RT. 2009. Pág. 274.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Adequação Típica – Porte de Arma de Fogo

            No ano de 2003 começou a viger em nosso ordenamento jurídico a lei nº 10.826/03, que disciplinou matéria acerca do registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição.
           No campo criminal, não foi esta lei que tornou a conduta de portar arma de fogo em crime. Anteriormente, em 1997, a lei nº 9.437 já havia tornado a antiga contravenção penal de porte de arma de fogo em crime, ocorrendo a chamada “novatio legis in pejus”. Assim, para aqueles que praticaram a contravenção penal, haveria a ultra-atividade da lei quanto à conduta, vez que é benéfica a nova redação legal.
            Disciplinava o artigo da 10 da lei  nº 9.437 que:
“possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Pena - detenção de um a dois anos e multa”.
            Sem dúvida, como já dito houve uma agravação da conduta anteriormente definida como contravenção penal.
            Houve imperfeições na lei, tal como pode ser demonstrada através da leitura do art. 10, o qual equipara as condutas de “portar arma de fogo” e de “possuir arma de fogo”.
            Aprimorou-se tais imperfeições com a edição do atual Estatuto do Desarmamento (lei nº 10.826/03), sendo buscado inclusive proibir o comércio de armas de fogo e munições no Brasil por um referendo popular.
            Com certeza a presente lei não surtiu os efeitos queridos pelo legislador. A diminuição da violência pode ter ocorrido, mas não exclusivamente pela nova redação legal, já que a criminalidade em nada se preocupa com a possibilidade de cumprir pena maior ou menor pelo porte ou posse de arma de fogo.
            Mas a grande questão se dá com relação ao entendimento jurisprudencial acerca de determinados casos que envolvem arma de fogo: arma de fogo desmuniciada; arma de fogo quebrada; arma de fogo desmontada e arma de brinquedo. O que nossos tribunais entendem sobre o assunto. Todas essas condutas são crimes?

            Arma de fogo sem munição
            É entendimento da Quinta Turma do STJ que o porte de arma de fogo desmuniciada configura conduta típica, vez que por ser crime de perigo abstrato a segurança pública e paz social são postas em perigo pelo simples porte da arma.
            Neste sentido o HC 178320 / SC de relatoria da Min. Laurita Vaz:
“HABEAS CORPUS. PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA ART. 14 DA LEI N.º 10.826/03 (ESTATUTO DO DESARMAMENTO). TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE. INEXISTÊNCIA. PERIGO ABSTRATO CONFIGURADO. DISPOSITIVO LEGAL VIGENTE.
1. Malgrado os relevantes fundamentos esposados na impetração, este Tribunal já firmou o entendimento segundo o qual o porte ilegal de arma de fogo desmuniciada e o de munições, mesmo configurando hipótese de perigo abstrato ao objeto jurídico protegido pela norma, constitui conduta típica.
2. Desse modo, estando em plena vigência o dispositivo legal ora impugnado, não tendo sido declarada sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, não há espaço para o pretendido trancamento da ação penal, em face da atipicidade da conduta”.

            Por sua vez, a Sexta Turma do STJ diverge do entendimento trazido pela Quinta Turma do mesmo Tribunal. Vejamos a decisão proferida no HC 124907/MG pelo Ministro Og Fernandes:
“HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ARMA DESMUNICIADA. ATIPICIDADE DA CONDUTA.
1. Na linha da orientação da Sexta Turma desta Corte, o fato de a arma de fogo estar desmuniciada afasta a tipicidade do delito de porte ilegal de arma de fogo.
2. Ordem concedida para, com base no art. 386, III, do CPP, absolver a paciente da acusação que lhe é dirigida por porte ilegal de arma de fogo de uso permitido”.

            Para a doutrina, Guilherme de Souza Nucci entende que o porte de arma de fogo desmuniciada é crime:
“Não aquiescemos com a posição daqueles que consideram fato atípico o porte não autorizado de arma de fogo, somente pelo fato de estar sem munição à vista (...) Ora, a conduta é igualmente perigosa para a segurança pública. Pode o agente carregar a arma de fogo sem munição e, ao atingir determinado ponto, onde está a vítima em potencial, conseguir munição das mãos de um comparsa” [1].
Para o STF, a questão relativa ao porte de arma de fogo desmuniciada é menos tormentosa, aceitando a tipicidade da conduta no caso de arma de fogo desmuniciada, ainda que o julgamento proferido no HC 99449/MG – 2009, de relatoria da ex Min. Ellen Gracie,  tenha sido pela atipicidade da conduta.
Necessário mencionar que, realizada a pesquisa sobre o tema [2], 12 dos 18 acórdãos encontrados foram julgados pela Primeira Turma, sendo pacífico o entendimento para esta Turma de que o porte de arma de fogo desmuniciada constitui infração penal, como se vê no acórdão proferido no HC 88757/DF de relatoria do Min. Luiz Fux:
“PENAL. HABEAS CORPUS. ESTATUTO DO DESARMAMENTO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO (ART. 14 DA LEI Nº 10.826/2003). TIPO NÃO ABRANGIDO PELA ATIPICIDADE TEMPORÁRIA PREVISTA NOS ARTIGOS 30 E 32 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. VACATIO LEGIS ESPECIAL OU ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA RESTRITA À POSSE DE ARMA DE FOGO NO INTERIOR DE RESIDÊNCIA OU LOCAL DE TRABALHO. ARMA DESMUNICIADA. TIPICIDADE. CRIME DE MERA CONDUTA OU PERIGO ABSTRATO. TUTELA DA SEGURANÇA PÚBLICA E DA PAZ SOCIAL. ORDEM DENEGADA
(...) 3. A conduta de portar arma de fogo desmuniciada sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar configura o delito de porte ilegal previsto no art. 14 da Lei nº 10.826/2003, crime de mera conduta e de perigo abstrato. 4. Deveras, o delito de porte ilegal de arma de fogo tutela a segurança pública e a paz social, e não a incolumidade física, sendo irrelevante o fato de o armamento estar municiado ou não. Tanto é assim que a lei tipifica até mesmo o porte da munição, isoladamente”.
Analisando a questão mais afundo, pode-se notar através das jurisprudências, embora seja crime o porte de arma desmuniciada, o porte desta arma, caso seja utilizada para o cometimento de crime de roubo, não pode ser levado em consideração para a aplicação de majorante do art. 157, § 2°, I do CP (posição pacífica no STJ).
            Ora, data venia, ouso discordar do posicionamento adotado e ir ao encontro do que o STF vem adotando, já que a arma de fogo, ainda que desmuniciada é apta a produzir lesões. A arma de fogo desmuniciada pode ser utilizada como arma branca imprópria, ou seja, embora não tenha sido criada para que o agente a utilize de forma a maximizar a força de seus golpes, ela poderá ser utilizada para tanto (utilização da arma para dar coronhadas).
            Outro ponto é que o art. 157, § 2°, I do CP não fala em arma de fogo, mas sim em arma. Desta forma, basta que o agente empregue arma que restará configurada a causa de aumento de pena.
            Assim, como já dito, entendeu o STF no HC 102.263/SP de Relatoria do  Min. Ricardo Lewandowski:
“EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. ARMA DESMUNICIADA. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE SEU POTENCIAL OFENSIVO. IRRELEVÂNCIA. DESNECESSIDADE. CIRCUNSTÂNCIA QUE PODE SER EVIDENCIADA POR OUTROS MEIOS DE PROVA. CONTINUIDADE DELITIVA. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE PELA VIA DO HC. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA.
I - É irrelevante saber se a arma de fogo estava ou não desmuniciada, visto que tal qualidade integra a própria natureza do artefato. Não se mostra necessária, ademais, a apreensão e perícia da arma de fogo empregada no roubo para comprovar o seu potencial lesivo. II - Lesividade do instrumento que se encontra in re ipsa. III - A majorante do art. 157, § 2º, I, do Código Penal, pode ser evidenciada por qualquer meio de prova, em especial pela palavra da vítima - reduzida à impossibilidade de resistência pelo agente – ou pelo depoimento de testemunha presencial. IV - A arma de fogo, mesmo que não tenha o poder de disparar projéteis, pode ser empregada como instrumento contundente, apto a produzir lesões graves. V - Ordem denegada”.
             
            Arma de fogo quebrada e arma de brinquedo
            Neste tópico é possível traçar entendimentos semelhantes entre a arma de fogo quebrada com a arma de brinquedo. Enquanto a primeira, por uma impropriedade, não possui aptidão para produzir disparo; a segunda não é arma de fogo.
            Portanto, quanto à arma de brinquedo, não há conduta típica com relação àquele que a porta, vez que o Estatuto não disciplinou com conduta típica o porte de arma de brinquedo ou simulacro.
            No caso da “arma de fogo quebrada”, ausente a elementar do tipo penal “arma de fogo” do estatuto do desarmamento. Ora, se uma “arma” não mais possui capacidade para deflagrar projéteis, não mais poderá ser considerada arma de fogo.
            Nucci entende que o porte de arma de fogo quebrada não é crime, já que “(...) cuida-se de delito impossível; a segurança pública não corre risco nesse caso (...)” [3].
            Ocorre que, neste caso, é necessário que seja constatada tal inaptidão por perícia, vez que a conduta de portar arma de fogo é, aprioristicamente, típica, não comportando exceções.
Assim vem decidindo o colendo Superior Tribunal de Justiça, basta analisar o HC n° 122.181/ES, de relatoria no Min. Og Fernandes:
“1. De acordo com o entendimento firmado no âmbito desta Sexta Turma, tratando-se de crime de porte de arma de fogo, faz-se necessária que a arma seja eficaz, vale dizer, tenha potencialidade lesiva. 2. No caso, a arma foi apreendida e periciada. Entretanto, o laudo técnico apontou a sua total ineficácia, vale dizer, descartou, por completo, a sua potencialidade lesiva. 5. Ordem concedida para absolver o paciente do crime de porte ilegal de arma de fogo”.
            Quanto ao STF, necessário discutir a Ementa do voto proferido pela ex Ministra do STF, Ellen Gracie, no RHC n° 97.477/RJ que traz o seguinte:
“EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ARMA DESMUNICIADA E ENFERRUJADA. AUSÊNCIA DE EXAME PERICIAL. ATIPICIDADE.
Inexistindo exame pericial atestando a potencialidade lesiva da arma de fogo apreendida, resulta atípica a conduta consistente em possuir, portar e conduzir arma de fogo desmuniciada e enferrujada. Recurso provido”.       
            Peço vênia para discordar do entendimento em questão. Não é técnico partir do pressuposto que arma de fogo sem munição e enferrujada não seja apta para disparar projéteis que possam vir a causar lesão à bem jurídico.
            O entendimento no caso deveria ter sido o mesmo trazido no que tange à arma de fogo desmuniciada, ou seja, é crime o seu porte, ainda que não haja munição ao alcance do agente.
            O objetivo maior do estatuto do desarmamento é de retirar de circulação armas de fogo para que a população tenha mais segurança. Não importa se há munição ou não na arma, pois é crime de perigo abstrato.
           
             Arma de fogo desmontada
            Como já notado nos tópicos anteriores, a Quinta e a Sexta Turma do STJ dificilmente possuem entendimento convergente. E neste caso não é diferente.
            Por óbvio que a arma desmontada não oferece potencialidade lesiva, vez que arma é o conjunto de peças que, devidamente montadas, possa produzir o disparo de um projétil.
            Ocorre que, caso haja todas as peças a disposição do agente, ainda que no momento a arma não possua capacidade lesiva, ela poderá vir a ter. Sendo assim, o porte de arma desmontada, sem que esteja faltando qualquer peça, pode ser considerada conduta típica.
            É o que se pode observar da leitura do HC n° 120.279/SP da Quinta Turma do STJ, de relatoria do Min. Jorge Mussi:
“HABEAS CORPUS. REGIME PRISIONAL. CONDENAÇÃO POR PORTE DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA. SANÇÃO RECLUSIVA INFERIOR A QUATRO ANOS. IRRELEVÂNCIA. REINCIDÊNCIA. REGIME ABERTO. IMPOSSIBILIDADE. COAÇÃO NÃO DEMONSTRADA.
(...) 2. Consideradas favoráveis todas as circunstâncias judiciais, à exceção dos antecedentes, não pode tal circunstância, diante das particularidades do caso em concreto, servir para impedir o benefício, especialmente em se considerando que a arma encontrada em poder do condenado estava desmontada, oferecendo, por isso, menor potencial lesivo, que hoje o paciente conta com 68 (sessenta e oito) anos e a reincidência se deu em delito diverso do ora examinado”.
            Ora, de acordo com a Quinta Turma do STJ, o porte de arma desmontada não configura fato atípico, mas tão somente uma possibilidade de se conhecer uma menor reprovabilidade do delito pelo reduzido potencial lesivo de armamento.
            Desta forma, respeita-se a obediência de retirar de circulação qualquer tipo de arma de fogo que possa causar perigo a incolumidade pública e à segurança.
            Em contrapartida, a Sexta Turma do STJ possui entendimento diverso, trazendo a tese de que a arma desmontada sequer possui potencialidade lesiva reduzida, sendo atípica a conduta de porte de arma de fogo desmontada – HC n° 101.638/MS de relatoria do Min. Og Fernandes:
“HABEAS CORPUS. ARMA DESMUNICIADA E DESMONTADA. ATIPICIDADE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
I. No caso em julgamento, o paciente trazia uma arma desmontada. É evidente que não havia potencialidade ofensiva, porquanto arma desmontada não é arma. O paciente portava apenas partes de uma arma, que não lhe serviriam sequer para defender-se de um repentino ataque de algum animal selvagem”.

            Conclusão

Devemos tratar o tema da segurança jurídica não só no que diz respeito à irretroatividade da lei penal in pejus, ou da retroatividade da lei penal mais benéfica. Mas sim, analisá-la do ponto de vista jurisdicional.
De acordo com José Afonso da Silva, “a segurança jurídica consiste no conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida” [4].
Ora, não só a lei deve observar questões relacionadas à segurança jurídica. A jurisprudência tem por objetivo observar o presente direito constitucional, vez que tem por objetivo a resolução constitucional de conflitos de acerca da interpretação de uma lei.
Outro ponto que deve ser analisado diz respeito à competência do STJ prevista no art. 105, III, “c” da CF - Compete ao STJ julgar em sede de recurso especial “as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais, ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito federal e Territórios, quando a decisão recorrida: der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro Tribunal”.
Pois bem, traz o presente artigo da constituição a competência do STJ em uniformizar jurisprudência. Ocorre que como será uniformizada a jurisprudência se o próprio STJ possui entendimentos divergentes sobre um mesmo tema.
A ausência de uniformização de jurisprudência gera uma verdadeira loteria no julgamento de qualquer indivíduo, trazendo consigo insegurança jurídica. Significa que, se o indivíduo estiver com sorte e sua ação constitucional (HC) ou recurso forem distribuídos para a Sexta Turma do STJ, por exemplo, será absolvido. Se estiver com azar e sua ação seja distribuída para a Quinta Turma do STJ será condenado.







[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 4ª ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2009. Pág. 87.
[2] Pesquisa realizada em 23.03.2012 no site http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28arma+e+desmuniciada%29&base=baseAcordaos
[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 4ª ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2009. Pág. 87.
[4] SILVA, Jose Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª edição. Malheiros. Pag. 433.