Prezados, segue relatório de IP feito por mim no 22° DP para sugestões e críticas.
RELATÓRIO
FINAL DE INQUÉRITO POLICIAL
REF.: IP 380/12
AUTOR: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
VÍTIMA: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
ILÍCITO PENAL: art. 299 do CP
MM JUIZ DE DIREITO
A POLÍCIA
CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO, representada neste ato pela Delegacia de
Polícia subscritora, que no uso de suas atribuições legais e regulamentares
conferidas pelo art. 144, § 4°, da Constituição da República; art. 140, da
Constituição Estadual Paulista; art. 4° e seguintes do Código de Processo Penal
Brasileiro; art. 12 da Portaria DGP 18/1998; e demais dispositivos legais
correlatos, respeitosamente reporta-se a V. Excelência pelo presente RELATÓRIO, com base no art. 10, § 1° do
CPP.
DOS FATOS
Foi requisitada a instauração de
Inquérito Policial pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara da Família e Sucessões
do Foro de São Miguel Paulista, Dr. Zary de Oliveira Costa Filho em desfavor da
suposta autora do crime de falsidade ideológica (art. 299 do CP) por utilizar o
patronímico de seu ex-cônjuge após a averbação de alteração do nome em seu
registro de casamento.
Instaurado o Inquérito Policial
em 05 de Maio de 2012 com base em peças de informação extraídas do processo n°
0023450-74.2011.8.26.0005, remetidas por ofício, a Autoridade Policial deu
início às investigações.
A averiguada é divorciada de seu
ex-cônjuge, como demonstra os documentos às fls. 23 do presente procedimento,
sendo que desde o ano de 1992 houve a averbação definitiva junto a certidão de
casamento da averiguada e da vítima, afim de que retirasse o patronímico de seu
marido de seu nome.
Constatou-se que vítima houvera ingressado com ação cível pleiteando obrigação de fazer
cumulado com pedido liminar (11.08.2011) objetivando que sua ex-cônjuge
retira-se de seu nome civil o antigo nome de casada. Declarou a vítima que a
suposta autora da prática do presente crime “(...) continua a contrair dívidas,
realizar financiamentos e demandar judicialmente com seu antigo nome, motivos
mais que suficientes para causar temor ao autor (...)” – fls. 09.
Comprovou que a averiguada
continuara a ostentar o nome de casada com a juntada de conta de luz em nome
dela (fls. 24) e com a cópia de seu documento de identidade (fls. 25).
Com relação à ação cível, em
10.10.2011, foi extinta sem julgamento do mérito, uma vez que o MM Juiz
entendeu não ser questão que de competência cível, mas sim criminal.
Conforme consta neste
procedimento, fls. 35, a averiguada providenciou 2ª via de seu RG na data de
29.03.2001, sendo que ainda ostentava o patronímico de seu ex-cônjuge em seu
nome.
Intimada para prestar Declarações
(fls. 46), a vítima alega que somente teve conhecimento de que a averiguada
continuara com a utilização de seu patronímico em 2010, época em que a
averiguada ingressou com ação pleiteando alimentos para sua filha, que é
portadora de necessidades especiais.
Intimada a averiguada para
prestar declarações (fls. 67), devidamente assistida por sua advogada, declarou
que tinha ciência da necessidade de retirar o patronímico de seu marido de seu
nome, porém entendia que não haveria
problema em manter seu nome como antes. Declarou também que em nenhum
momento contraiu dívida objetivando prejudicar interesse de terceiro, bem como,
após orientação de sua advogada, providenciou nova via de RG sem que constasse
o patronímico de seu marido (fls. 68).
DO DIREITO
Como é sabido, o nome é atributo
da personalidade e serve para a individualização do ser humano, podendo ser
alterado, dentre outros casos, pela alteração do estado civil. Ainda que a
dissolução do vínculo conjugal realizou-se sob a égide do antigo Código Civil,
vale a pena trazer à colação, a título de ilustração, as disposições do novo CC
sobre o instituo em tela.
Dispõe o art. 1565, § 1° do
CC/02:
“Pelo casamento, homem e mulher assumem
mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos
da família.
§ 1° Qualquer dos nubentes, querendo, poderá
acrescer ao seu sobrenome do outro”
Da mesma forma, “o cônjuge
declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome
do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente (...)”, conforme
estabelece o art. 1578 do CC/02.
Sob a ótica criminal, estabelece
o art. 299 do CP:
“Art. 299 -
Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar,
ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser
escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade
sobre fato juridicamente relevante:
Pena -
reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de
um a três anos, e multa, se o documento é particular”.
Para o finalismo, teoria esta
adotada pela doutrina brasileira, toda a ação humana é movida a uma finalidade, portanto, ao lado da
conduta encontra-se o lado subjetivo do agente (dolo), sendo necessário para a
comprovação da pratica do crime doloso, além da conduta, o nexo de causalidade
e o resultado.
Trata-se
de crime formal, ou seja, dispensa a ocorrência de dano efetivo, sendo
suficiente que o documento ideologicamente falso tenha potencialidade lesiva.
Para
o tipo penal do art. 299 do CP, mais do que necessário a existência dolo, é a
necessidade da existência do elemento subjetivo específico, consistente na
vontade de “prejudicar direito, criar
obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”. Assim. Para Guilherme de Souza Nucci, “a falsificação que não conduza a qualquer
desses três resultados deve ser considerada penalmente indiferente” (NUCCI,
Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 2012. Pág. 119).
Nessa
mesma ótica, encontra-se jurisprudência do TRF-04, no ACR 2006.72.12.000169-7 –
SC:
“A
caracterização do delito de falsidade exige, de forma concomitante, além da realização
de algum dos verbos, o dolo, consistente na vontade, livre e consciente, de
praticar algumas das condutas descritas no tipo, bem como o elemento subjetivo,
que se caracteriza pelo fim de prejudicar direito (...)”.
Outro
argumento doutrinário de interesse ó trazido na RT 525/349, o qual inexiste o
crime quando a falsa ideia recai sobre documento (público ou verdadeiro) cujo
conteúdo esta sujeito a fiscalização da autoridade.
Por
fim, no que tange ao exame pericial, diversamente da falsidade material, não é
cabível.
CONCLUSÃO
Conforme o recente Manual de
Policia judiciária,
“(...) o relatório, peça técnica com forte
conteúdo subjetivo, nada impedindo que nele sejam inseridos opiniões ou
impressões pessoais, doutrinárias é até jurisprudenciais, determinando o juízo
de valor da autoridade policial e que servem para indicar as razões do seu
convencimento sobre o término do inquérito policial” (Manual de Polícia
Judiciária. 6ª edição. 2012. Pág. 59).
Assim, após análise do conjunto probatório
presente neste procedimento, bem como pelos fundamentos jurídicos expostos, não
vejo conduta típica da averiguada, uma vez que não possível, durante a fase
inquisitorial, verificar a existência de dolo em sua conduta. Poder-se-ia dizer,
apenas, que fora negligente ao não providenciar a respectiva alteração em seu
registro geral.
Outro aspecto de interesse é que o crime de
falsidade ideológica, caso fosse verificada sua existência, teria se consumado
na data da expedição do RG, ou seja, em 29.03.2001. Como a vítima não agiu
dolosamente, em acordo com o entendimento desta autoridade, ao providenciar
segunda via do RG, não se poderá falar em uso de documento falso, com relação a
utilização deste documento na ação revisional, já que desconhecia a sua
falsidade.
Com relação a eventual prejuízo, a vítima,
Sr. xxxxxxxxxxxxx, sequer demonstrou qualquer resultado danoso a seu
patrimônio ou outro bem jurídico penalmente tutelado pela conduta da
averiguada, motivo pelo qual, com mais razão, o fato não merece tutela do
direito penal, que é pautado, principalmente, pelo princípio da lesividade da
conduta.
Diante do exposto, pela ausência de elemento
subjetivo e por não lesar bem jurídico de terceiro não há que se falar em fato
típico, sugerindo esta autoridade que o presente procedimento seja arquivado. Para tanto, remeto os autos ao MM Juiz para
que abra vista ao Ministério Público para que tome as providências previstas no
Código de Processo Penal brasileiro.
É o
relatório
São Paulo, 30 de novembro de 2012
RAPHAEL
ZANON DA SILVA
Delegado de
Polícia
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