segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Relatório IP


Prezados, segue relatório de IP feito por mim no 22° DP para sugestões e críticas. 
 
 
 
RELATÓRIO FINAL DE INQUÉRITO POLICIAL

 

REF.: IP 380/12

AUTOR: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

VÍTIMA: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

ILÍCITO PENAL: art. 299 do CP

 

MM JUIZ DE DIREITO

 

               A POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO, representada neste ato pela Delegacia de Polícia subscritora, que no uso de suas atribuições legais e regulamentares conferidas pelo art. 144, § 4°, da Constituição da República; art. 140, da Constituição Estadual Paulista; art. 4° e seguintes do Código de Processo Penal Brasileiro; art. 12 da Portaria DGP 18/1998; e demais dispositivos legais correlatos, respeitosamente reporta-se a V. Excelência pelo presente RELATÓRIO, com base no art. 10, § 1° do CPP.

 

DOS FATOS

 

               Foi requisitada a instauração de Inquérito Policial pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara da Família e Sucessões do Foro de São Miguel Paulista, Dr. Zary de Oliveira Costa Filho em desfavor da suposta autora do crime de falsidade ideológica (art. 299 do CP) por utilizar o patronímico de seu ex-cônjuge após a averbação de alteração do nome em seu registro de casamento.

               Instaurado o Inquérito Policial em 05 de Maio de 2012 com base em peças de informação extraídas do processo n° 0023450-74.2011.8.26.0005, remetidas por ofício, a Autoridade Policial deu início às investigações.

               A averiguada é divorciada de seu ex-cônjuge, como demonstra os documentos às fls. 23 do presente procedimento, sendo que desde o ano de 1992 houve a averbação definitiva junto a certidão de casamento da averiguada e da vítima, afim de que retirasse o patronímico de seu marido de seu nome.

               Constatou-se que vítima houvera ingressado com ação cível pleiteando obrigação de fazer cumulado com pedido liminar (11.08.2011) objetivando que sua ex-cônjuge retira-se de seu nome civil o antigo nome de casada. Declarou a vítima que a suposta autora da prática do presente crime “(...) continua a contrair dívidas, realizar financiamentos e demandar judicialmente com seu antigo nome, motivos mais que suficientes para causar temor ao autor (...)” – fls. 09.

               Comprovou que a averiguada continuara a ostentar o nome de casada com a juntada de conta de luz em nome dela (fls. 24) e com a cópia de seu documento de identidade (fls. 25).

               Com relação à ação cível, em 10.10.2011, foi extinta sem julgamento do mérito, uma vez que o MM Juiz entendeu não ser questão que de competência cível, mas sim criminal.

               Conforme consta neste procedimento, fls. 35, a averiguada providenciou 2ª via de seu RG na data de 29.03.2001, sendo que ainda ostentava o patronímico de seu ex-cônjuge em seu nome.

               Intimada para prestar Declarações (fls. 46), a vítima alega que somente teve conhecimento de que a averiguada continuara com a utilização de seu patronímico em 2010, época em que a averiguada ingressou com ação pleiteando alimentos para sua filha, que é portadora de necessidades especiais.

               Intimada a averiguada para prestar declarações (fls. 67), devidamente assistida por sua advogada, declarou que tinha ciência da necessidade de retirar o patronímico de seu marido de seu nome, porém entendia que não haveria problema em manter seu nome como antes. Declarou também que em nenhum momento contraiu dívida objetivando prejudicar interesse de terceiro, bem como, após orientação de sua advogada, providenciou nova via de RG sem que constasse o patronímico de seu marido (fls. 68).

 

 

              

DO DIREITO

 

               Como é sabido, o nome é atributo da personalidade e serve para a individualização do ser humano, podendo ser alterado, dentre outros casos, pela alteração do estado civil. Ainda que a dissolução do vínculo conjugal realizou-se sob a égide do antigo Código Civil, vale a pena trazer à colação, a título de ilustração, as disposições do novo CC sobre o instituo em tela.

               Dispõe o art. 1565, § 1° do CC/02:

“Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.

§ 1° Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu sobrenome do outro”

 

               Da mesma forma, “o cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente (...)”, conforme estabelece o art. 1578 do CC/02.

               Sob a ótica criminal, estabelece o art. 299 do CP:

“Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular”.

 

               Para o finalismo, teoria esta adotada pela doutrina brasileira, toda a ação humana é movida a uma finalidade, portanto, ao lado da conduta encontra-se o lado subjetivo do agente (dolo), sendo necessário para a comprovação da pratica do crime doloso, além da conduta, o nexo de causalidade e o resultado.

               Trata-se de crime formal, ou seja, dispensa a ocorrência de dano efetivo, sendo suficiente que o documento ideologicamente falso tenha potencialidade lesiva.

               Para o tipo penal do art. 299 do CP, mais do que necessário a existência dolo, é a necessidade da existência do elemento subjetivo específico, consistente na vontade  de “prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.  Assim. Para Guilherme de Souza Nucci, “a falsificação que não conduza a qualquer desses três resultados deve ser considerada penalmente indiferente” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 2012. Pág. 119).

               Nessa mesma ótica, encontra-se jurisprudência do TRF-04, no ACR 2006.72.12.000169-7 – SC:

“A caracterização do delito de falsidade exige, de forma concomitante, além da realização de algum dos verbos, o dolo, consistente na vontade, livre e consciente, de praticar algumas das condutas descritas no tipo, bem como o elemento subjetivo, que se caracteriza pelo fim de prejudicar direito (...)”.

 

               Outro argumento doutrinário de interesse ó trazido na RT 525/349, o qual inexiste o crime quando a falsa ideia recai sobre documento (público ou verdadeiro) cujo conteúdo esta sujeito a fiscalização da autoridade.

               Por fim, no que tange ao exame pericial, diversamente da falsidade material, não é cabível.              

 

CONCLUSÃO

               Conforme o recente Manual de Policia judiciária,

“(...) o relatório, peça técnica com forte conteúdo subjetivo, nada impedindo que nele sejam inseridos opiniões ou impressões pessoais, doutrinárias é até jurisprudenciais, determinando o juízo de valor da autoridade policial e que servem para indicar as razões do seu convencimento sobre o término do inquérito policial” (Manual de Polícia Judiciária. 6ª edição. 2012. Pág. 59).

 

Assim, após análise do conjunto probatório presente neste procedimento, bem como pelos fundamentos jurídicos expostos, não vejo conduta típica da averiguada, uma vez que não possível, durante a fase inquisitorial, verificar a existência de dolo em sua conduta. Poder-se-ia dizer, apenas, que fora negligente ao não providenciar a respectiva alteração em seu registro geral.

Outro aspecto de interesse é que o crime de falsidade ideológica, caso fosse verificada sua existência, teria se consumado na data da expedição do RG, ou seja, em 29.03.2001. Como a vítima não agiu dolosamente, em acordo com o entendimento desta autoridade, ao providenciar segunda via do RG, não se poderá falar em uso de documento falso, com relação a utilização deste documento na ação revisional, já que desconhecia a sua falsidade.

Com relação a eventual prejuízo, a vítima, Sr. xxxxxxxxxxxxx, sequer demonstrou qualquer resultado danoso a seu patrimônio ou outro bem jurídico penalmente tutelado pela conduta da averiguada, motivo pelo qual, com mais razão, o fato não merece tutela do direito penal, que é pautado, principalmente, pelo princípio da lesividade da conduta.

Diante do exposto, pela ausência de elemento subjetivo e por não lesar bem jurídico de terceiro não há que se falar em fato típico, sugerindo esta autoridade que o presente procedimento seja arquivado. Para tanto, remeto os autos ao MM Juiz para que abra vista ao Ministério Público para que tome as providências previstas no Código de Processo Penal brasileiro.

 

É o relatório

 

 

São Paulo, 30 de novembro de 2012

 

 

 

 

 

 

RAPHAEL ZANON DA SILVA

Delegado de Polícia

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