RELATÓRIO
FINAL DE INQUÉRITO POLICIAL
REF.: xxxxxxxxxxxxxxxxxx
AUTOR: xxxxxxxxxxxxxxxxxx
VÍTIMA: xxxxxxxxxxxxxxxxxx
ILÍCITO PENAL: ART. 180, § 3° DO CP
MM JUIZ DE DIREITO
A POLÍCIA
CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO, representada neste ato pelo Delegado de
Polícia subscritor, que no uso de suas atribuições legais e regulamentares
conferidas pelo art. 144, § 4°, da Constituição da República; art. 140, da
Constituição Estadual Paulista; art. 4° e seguintes do Código de Processo Penal
Brasileiro; art. 12 da Portaria DGP 18/1998; e demais dispositivos legais
correlatos, respeitosamente reporta-se a V. Excelência o presente RELATÓRIO, com base no art. 10, § 1° do
CPP.
1 – DOS FATOS
Instaurou-se IP na data de 29.02.2012 para
apurar crime de receptação praticado, em tese, por xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.
Conforme o B.O n° 1800/12
lavrados nesta Delegacia (fls. 04 a 07), os Policiais Militares que compunham a
VTR 29204 foram acionados para comparecerem ao local do fato, Rua Americima –
159, para verificar um veículo que ostentava placas MQJ-7617, o qual possuía dispositivo
de rastreamento, estando cadastrado em um veículo de placas EBA-6107, o qual estava
bloqueado por estelionato – fato registrado no 35° DP sob o B.O n° 11.315/11.
Segundo o averiguado o veículo teria sido deixado em sua casa por uma pessoa chamada xxxxxxx,
o qual havia lhe dito que o veículo havia sido reformado recentemente e que o
chassi nele gravado (8AC9036725A930815) pertenceria a outro veículo, sinistrado
e indenizado por seguradora. Fernando afirmou que xxxxxxx havia pedido para que
guardasse o veículo em sua garagem, pagando-lhe a quantia a título de
contraprestação, com o objetivo de regularizar os documentos do veículo.
Por sua vez, a vítima esclareceu
que vendeu um veículo MERCEDEZ BENZ/SPRINTER de placas EBA-6107 à xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx em dezembro de 2011, sendo que o cheque utilizado para
pagar o veículo foi devolvido por “fraude”, registrando o B.O 11.315 no 35° DP.
Entretanto, ao reativar o sistema
de rastreamento do veículo, com o objetivo de localizá-lo, constatou que o
rastreador indicou o veículo em questão (MB de placas MQJ-7617), acionando a PM
para auxiliá-lo na localização do bem.
A vítima ratificou sua
declaração fornecida no B.O, bem como informou que soube do sistema de
rastreamento por meio do proprietário anterior do veículo, sendo que procurou a
empresa e pagou as parcelas vencidas para que fosse ativado o sistema e
localizado o veículo. Na data de 01.03.2012 o veículo foi depositado ao
declarante.
Requisitada a carta laudo do
veículo à montadora (fls. 33 a 36) foi requisitado exame pericial de
identificação de veículo automotor ao IC (fls. 39).
Recebido o laudo e juntado às
fls. 43 a 46, foi concluído que havia adulteração de chassi, as etiquetas VIS
não eram originais e que as plaquetas dos eixos foram reaproveitadas, sendo,
portanto, que o veículo não corresponde àquele cujas características foram
consignadas na carta laudo, sendo o
veículo resultante da montagem de dois ou mais veículos semelhantes.
O veículo foi entregue ao
proprietário em auto próprio às fls. 54.
Ouvido o averiguado às fls. 56 confirmou a versão apresentada no B.O que ensejou a
instauração deste IP acrescentando que foi a procura de xxxx e que encontrou no
interior da VAN um contrato que indicava a Rua xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx e um livro, que pertencia a xxxx, e indicava o endereço xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.
Por fim, declarou que após a
apreensão do veículo nunca mais viu xxxx, bem como não conhece xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.
Ouvidos os PM’s às fls. 73 e 74,
em nada acrescentaram à apuração dos fatos.
Por fim, às fls. 75, xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, em declarações, negou que tenha praticado crime de
estelionato contra a vítima.
2
– DA OPINIÃO DO DELEGADO DE POLÍCIA
Conforme o recente Manual de Policia
judiciária,
“(...) o relatório, peça técnica com forte
conteúdo subjetivo, nada impedindo que nele sejam inseridos opiniões ou impressões pessoais, doutrinárias é até
jurisprudenciais, determinando o juízo de valor da autoridade policial e
que servem para indicar as razões do seu convencimento sobre o término do
inquérito policial” (Manual de Polícia Judiciária. 6ª edição. 2012. Pág. 59).
2.1 – DA ANÁLISE DO TIPO PENAL
Estabelece o art. 180 do CP:
“Adquirir, receber, transportar, conduzir ou
ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou
influir para que terceiro de boa fé, a adquira, receba ou oculte: Pena –
reclusão, de um a quatro anos, e multa”.
A
receptação é crime acessório que guarda autonomia com o crime antecedente, ou
seja, não é necessário que o agente do crime antecedente seja condenado, ou
isento de pena (excludente de culpabilidade e escusa absolutória – excludente
de punibilidade), bastando que o objeto receptado seja produto de crime.
Este é o entendimento do art.
180, § 4° do CP que, mesmo sendo crime acessório, a receptação guarda autonomia
em relação ao crime antecedente por duas regras: punição ainda que desconhecido
o autor do crime antecedente; punição ainda que o autor do crime antecedente
seja isento de pena.
Interessante que, ao se falar no
crime de receptação, é possível afirmar que o CP adotou a teoria bipartida do
crime, já que, por exemplo, se um inimputável furtar objeto, aquele que
receptar o objeto incorrerá no presente crime, já que a luz de tal teoria
mencionada o inimputável praticou crime.
Porém, tal hipótese não ocorreria
se o CP adotasse a teoria tripartida do crime. Quando a lei fala em “produto de
crime” e sendo o crime cometido por inculpável, seria impossível existir (crime
de receptação), já que não há culpabilidade (para a teoria tripartida é
integrante do conceito do crime).
O art. 180 do CP exige que o bem
seja produto de crime, de modo que o produto de uma contravenção não pode ser objeto
de receptação. A título de informação é possível receptação de receptação
(receptações sucessivas), ou seja, aquelas praticadas por pessoas diversas em
relação ao mesmo bem, desde que todos conheçam sua procedência ilícita.
Por sua vez, o art. 180, § 3° do
CP estabelece:
“Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção
entre o valor e o preço, ou pela
condição de quem oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: Pena
– detenção de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas”.
Ressalte-se que é o único crime
contra o patrimônio previsto na modalidade culposa.
A “condição de quem a oferece”,
de acordo com Nucci, “é outro indicativo da imprudência do agente receptador.
(...) Admite-se, no entanto, prova em sentido contrário, por parte do agente
receptador, demonstrando não ter agido com culpa no caso concreto” (NUCCI,
Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 2012. Pag. 886).
2.2
– DO “DOLO” DO AGENTE E DA CONFIGURAÇÃO DO ART. 180, § 3° DO CP
O tipo penal previsto no “caput”
do art. 180 do CP exige como elemento subjetivo o dolo direito, uma vez que
traz em sua descrição o seguinte: “(...) que sabe ser produto de crime (...)”.
Este é o entendimento trazido por
Rogério Sanches: “o caput é punido a título de dolo direito, devendo o agente
ter certeza acerca da origem comprovada da coisa (dolo direto). A dúvida,
dependendo das circunstâncias, poderá configurar receptação culposa” (SANCHES,
Rogério. Código Penal para Concursos. 2011. Pag. 370).
Mas o que vem a ser dolo?
Dolo é a vontade
de concretizar os elementos objetivos do tipo. Filia-se o direito penal no
Brasil duas teorias: teoria da vontade
– dolo direto (dolo é querer o resultado) e teoria do assentimento – dolo eventual (dolo é consentir,
aceitar o resutado) – art. 18, I do CP. O dolo direito, o qual adequa-se à
figura do art. 180 caput do CP, abrange
o resultado pretendido; os meios escolhidos e as consequências
secundárias inerentes aos meios.
Com relação a culpa , esta é quebra
do dever de cuidado objetivo (dever imposto a todos para que ajam de
maneira cuidadosa) pela imprudência, negligência ou imperícia.
Ora, é possível afirmar, pelos
elementos de prova colhidos até o momento, que o agente tinha a intenção de receber
ou ocultar o veículo sabendo que era produto de crime? Acredito que não, e por
este motivo entendo pela ausência de dolo direto do agente e pela configuração
da culpa, uma vez que não se cercou das precauções devidas quanto ao
recebimento do bem em detrimento à condição que lhe foi oferecido para que o
“guardasse”.
2.3 - DA
AUSÊNCIA DO INDICIAMENTO E, POR CONSEQUÊNCIA, DO FORMAL INTERROGATÓRIO DO AUTOR
Não há que se questionar
sobre a existência de dúvidas sobre a autoria do delito de receptação praticado
por xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.
Ocorre que, pelo entendimento desta autoridade, a conduta do autor adequa-se
tipicamente ao fato descrito no art. 180, § 3° do CP, o qual tem como pena
máxima cominada detenção de 01 ano.
Diante disto, necessário discutir
a real necessidade do interrogatório no Inquérito Policial afim de que o Douto
Membro do Ministério Público forme sua convicção sobre a veracidade dos fatos e
a autoria.
Conforme ensina Gustavo O. Diniz
Junqueira, o interrogatório
“apresenta uma natureza jurídica híbrida ou
mista, porquanto constitui meio de defesa e meio de prova (...) Ostenta a
natureza precípua de meio de defesa, pois consubstancia o ato processual, por
excelência, de instrumentalização da autodefesa (...) (JUNQUEIRA. Processo
Penal. Elementos do Direito. RT. 2012. Pag. 147).
Sabendo que o Inquérito Policial
é um procedimento administrativo regido pelo sistema inquisitorial, o
interrogatório, não pode ser tido como meio de defesa, vez que não se aplica a
esta fase os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa previstos
no art. 5°, LV.
Tratando o interrogatório nesta
fase investigativa apenas como meio de prova, não se vê necessário, salvo em
caso de indiciamento, que o interrogatório seja realizado com o objetivo de
corroborar com as provas já existentes caso a materialidade do crime e sua
autoria já estivessem definidas, o que ocorre no caso em tela.
Portanto, no que tange à obrigatoriedade do Interrogatório na fase
investigativa, pode-se falar em sua desnecessidade, ainda mais com a
necessidade de observância aos prazos legais previstos, bem como a devida
apuração dos fatos da forma mais rápida possível.
No que tange ao indiciamento, “data máxima vênia”, este deve ser
realizado somente em crimes cuja pena máxima exceda aos 04 anos, tendo em vista
que seus efeitos devem ser levados em consideração quando contrapostos ao
sistema constitucional vigente.
De se notar que o sistema processual
brasileiro, com mais razão, a partir da lei 12.403/11, fixou certos limites com
base nas penas em abstrato. Neste ponto, tendo ao entendimento de que aos
crimes cuja pena máxima cominada supere 04 anos são aqueles entendidos pelo
legislador como sendo de maior gravidade, o que, num primeiro momento,
possibilitaria o ato do indiciamento.
2.4 – DA
PRESENÇA DE JUSTA CAUSA PARA O OFERECIMENTO DA AÇÃO PENAL
Justa causa é definida como suporte probatório mínimo para que se
possa basear a acusação, sendo a prova de materialidade e indícios razoáveis de
autoria, o que pode ser apontado neste
procedimento.
Neste sentido, para Aury Lopes Jr. (Os sistemas de investigação
preliminar no direito processual brasileiro), “o valor do IP é informativo,
sendo o IP apenas para formar a justa
causa para o oferecimento da ação penal, devendo o MP formar a sua opinião
e apenas juntar à denúncia as provas não repetíveis, já que o Juiz deve ater-se
somente às provas produzidas em âmbito processual para formar seu
convencimento”.
Ainda que discorde deste
posicionamento, já que o art. 155 do CPP estabelece a possibilidade de o Juiz
formar seu livre convencimento com base em provas colhidas durante a
investigação policial, desde que não exclusivamente, Aury Lopes Jr. traz uma
boa definição sobre o tema.
2.5 – DA OPINIÃO
FINAL DO DELEGADO DE POLÍCIA
Por meio do apurado neste Inquérito Policial é possível concluir que,
no mínimo, xxxxxxxxxxxxxxxx agiu com culpa ao guardar o veículo em
sua casa sem tomar maiores cuidados, como já demonstrado e justificado por esta
autoridade, incorrendo no delito do art. 180, § 3° do CP.
Diante do exposto, remeto os autos ao MM Juiz
para que abra vista ao Ministério Público afim de que tome as providências
previstas no Código de Processo Penal brasileiro.
É o
relatório
São Paulo, 18 de Fevereiro de 2013
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