quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Prontuário de Atendimento Médico: Requisição da Autoridade Policial X Sigilo Médico


Praticado um crime, nasce para o Estado o dever poder de punir o agente delituoso nos rigores da lei penal, de modo que o exercício do “jus puniendi” se dá pela persecução criminal. Por sua vez, a persecução criminal se dá em duas fases: fase investigativa e fase processual.
Regra geral, a fase investigativa se dá por meio da instauração de um inquérito policial, procedimento obrigatório e indispensável (majoritário o entendimento pela sua dispensabilidade) que visa a busca da verdade real dos fatos, sendo presidido pela Autoridade Policial.
Estabelece o art. 144 da Constituição Federal, § 4º, que:
“A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (...)
IV - polícias civis;
§ “4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvadas a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.
                    Diante da atribuição constitucional conferida ao Delegado de Polícia pela Constituição Federal, cabe à esta Autoridade expedir atos necessários à investigação, desde que não violem direitos e garantias fundamentais do ser humano, caso em que é necessária autorização judicial para que seja realizado o ato.
De ressaltar, que o art. 6° do CPP estabelece, em rol não exaustivo, diversas diligências a serem realizadas pela Autoridade Policial quando do conhecimento de um fato delituoso. Neste sentido, a lei 12.830/13, em seu art. 2°, § 2° estabeleceu que “§ 2o Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos”.
Ao conferir esse poder de Requisição ao delegado de Polícia buscou o legislador dotar a Autoridade Policial de poderes necessários para fazer a coleta das provas de forma mais célere, facilitando e tornando mais ágil à apuração do crime, podendo requisitar a particulares, agentes públicos e entes estatais o auxilio para a instrumentalização das provas, dando os meios necessários para que seja alcançado o fim do Inquérito Policial.
O verbo descrito na lei (“requisição”) implica fazer obrigar aos requisitados o dever de atender de forma rápida e adequada, fazendo com que o não atendimento do requisitado  adeque-se ao crime de desobediência previsto no artigo 330 do CP.               
Neste sentido, poderá o Delegado de Polícia requisitar informações e outros dados, desde que não lesem a intimidade e a vida privada do investigado, sendo que, neste caso, será necessária ordem judicial, estando submetida tal tutela a clausula de reserva jurisdicional e, assim, a garantia do art. 5°, X da CF ficará preservada: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Portanto, não estando à informação sob o manto do sigilo legal, o dispositivo trazido, autoriza esta coleta, independendo de autorização judicial.  
Aqui surge um grande problema prático e rotineiro na atividade exercida pelo Delegado de Polícia: A escusa pelos hospitais em fornecer prontuário de atendimento ao Delegado de Polícia quando requisitado alegando ser necessária autorização judicial por se tratar de sigilo médico.
De início necessário realizar uma breve análise sobre as normatizações trazidas com o Código de Ética Médica.
Estabelece o Art. 102 do Código de Ética Médica quanto ao sigilo relacionado ao segredo médico: “Art. 102 - Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente”.
Tal dispositivo estabelece que o sigilo relacionado ao atendimento do paciente deve ser preservado, entretanto, há três hipóteses em que não se poderá alega-lo: justa causa; dever legal ou autorização expressa do paciente.
O que nos chama a atenção ao dispositivo colacionado é o que vem a ser “justa causa” para o Código de Ética Médica. De acordo com o disposto na página oficial do CRM-SP, são exemplos de “justa causa”:
“a) Para evitar casamento de portador de defeito físico irremediável ou moléstia grave e transmissível por contágio ou herança, capaz de por em risco a saúde do futuro cônjuge ou de sua descendência, casos suscetíveis de motivar anulação de casamento, em que o médico esgotará, primeiro, todos os meios idôneos para evitar a quebra do sigilo;
b) Crimes de ação pública incondicionada quando solicitado por autoridade judicial ou policial, desde que estas, preliminarmente, declarem tratar-se desse tipo de crime, não dependendo de representação e que não exponha o paciente a procedimento criminal;
c) Defender interesse legítimo próprio ou de terceiros” (
http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Publicacoes&acao=detalhes_capitulos&cod_capitulo=57 – acesso em 17.09.2013).
                    Os comentários sobre o sigilo médico vão além:
“Com relação ao pedido de cópia do prontuário pelas Autoridades Policiais (delegados, p.ex.) e/ou Judiciárias (promotores, juízes, etc.), vale tecer alguns esclarecimentos sobre segredo médico.
O segredo médico é uma espécie do segredo profissional, ou seja, resulta das confidências que são feitas ao médico pelos seus clientes, em virtude da prestação de serviço que lhes é destinada. O segredo médico compreende, então, confidências relatadas ao profissional, bem como as percebidas no decorrer do tratamento e, ainda, aquelas descobertas e que o paciente não tem intenção de informar. Desta forma, o segredo médico é, penal (artigo 154 do Código Penal) e eticamente, protegido (artigo 102 e seguintes do Código de Ética Médica), na medida em que a intimidade do paciente deve ser preservada.
Entretanto, ocorrendo as hipóteses de "justa causa" (circunstâncias que afastam a ilicitude do ato), "dever legal" (dever previsto em lei, decreto, etc.) ou autorização expressa do paciente, o profissional estará liberado do segredo médico. Assim, com as exceções feitas acima, aquele que revelar as confidências recebidas em razão de seu exercício profissional deverá ser punido” (http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Publicacoes&acao=detalhes_capitulos&cod_capitulo=57 – acesso em 17.09.2013)”.
                    Do ponto de vista jurisprudencial, merece respaldo nosso entendimento no sentido de que o sigilo médico não é absoluto, como pode ser visto na decisão do MS n° 488.137-6 – TJ/PR:
“MANDADO DE SEGURANÇA - INQUÉRITO POLICIAL - MORTE DE PACIENTE - REQUISIÇÃO DE PRONTUÁRIO MÉDICO - RECUSA DESCABIDA DO DIRETOR DO HOSPITAL - SEGURANÇA DENEGADA. 
O sigilo profissional não é absoluto, contém exceções, conforme se depreende da leitura dos respectivos dispositivos do Código de Ética. 
Daí porque se revela descabida a recusa em atender a requisição do prontuário médico e documentos feita pelo juízo, em atendimento à cota ministerial, visando apurar possível prática de crime contra a vida diante da morte da paciente que fora submetida a cirurgia de lipoaspiração”.
                 

Conclui-se, diante da abordagem realizada neste pequeno texto, que não há possibilidade de o responsável pelo Hospital negar a Autoridade Policial prontuário de atendimento médico de paciente quando requisitado para auxiliar nas investigações realizadas em inquérito policial, submetendo-se, caso negue as informações requisitadas, ao crime de desobediência, e, consequentemente aos rigores penais.

domingo, 22 de setembro de 2013

Lei 12.830 e sua aplicabilidade prática à Luz da Constituição Federal Brasileira

Lei 12.830 e sua aplicabilidade prática à Luz da Constituição Federal Brasileira

1 - INTRODUÇÃO
Trata-se de consulta requerida pelo Exmo Sr. Dr. Delegado Titular da 7ª Seccional de Polícia – Itaquera – sobre a abrangência da lei 12.830 e sua aplicabilidade prática na atual Constituição Federal Brasileira, é o requerido passamos a ofertar nossa analise.
Antes porem de adentrarmos ao tema questionado, permita-nos inserir no texto os dizeres do Exmo. Ministro da Justiça Dr. Marcio Tomas Bastos
“A POLÍCIA CIVIL É TRADICIONALMENTE vista como um órgão que atua no esclarecimento do fato delitivo, ou seja, invariavelmente após a ocorrência do crime. Essa visão não corresponde à total abrangência de sua atuação. A riqueza do método investigativo, aliado à inteligência policial e à tecnologia amplia sobremaneira, a amplitude e profundidade de suas atribuições. Modernamente, a compressão do fenômeno do comportamento desviante, dos fatos criminógenos e da dinâmica do crime, requisitam à organização uma importante gama de intervenções de caráter preventivo – o que equivale a dizer o seguinte: As Policiais Civis têm que saltar do paradigma meramente REATIVO para um modo de ação PROATIVO. A Polícia Civil do século XXI têm esse compromisso em assumir efetivamente seu papel no sistema de justiça criminal, uma maior dimensão, de agência publica cuja missão é a redução e o estabelecimento de estratégias de controle da criminalidade”.    
   
Dito isso, passemos ao estudo:
Buscaremos para uma melhor analise do tema, fazer uma digressão ao tempo, buscando a origem do termo “Polícia”.
“Polícia” tem sua origem etimológica na GRECIA – POLIS – POLITITIA = POLÍCIA. Tinha como função administrar as relações sociais das cidades, vindo a receber as características de manter a segurança interna no período Romano, posto que as tropas “Forças Armadas” eram proibidas de adentrar aos muros da cidade e a segurança era feita pelos pretores – daí o termo “conduzido sob vara”, pois o símbolo do pretor era o “feixe de varas” que tinha por significado o alcance da Justiça em relação ao Criminoso.
Evolui o tempo, mas a característica recebida em Roma permanece ficando a Polícia com a função de Proteger o Estado ao invés de atuar na proteção do cidadão, característica essa que a Polícia Civil, deixa de ter em 1988 – quando foi promulgada a atual Constituição da República, conhecida por Constituição Cidadã, marco divisório para a Instituição Policial Civil, que até então era denominada Polícia Judiciária.
Falou a Constituição Cidadã sobre a Polícia Civil que esta Instituição atua no campo da segurança publica e exerce as funções de Polícia Judiciária, sob a orientação e direção do Delegado de Polícia, com atribuição prevista no § 4º do artigo 144 da Constituição Federal.

Nos dias de hoje a necessidade do preparo prévio para o exercício de qualquer atividade humana é uma exigência ditada pela competição e pela evolução social. A Polícia Civil não poderia ficar alheia a essa necessidade, não só em razão da sua natureza constitucional (segurança publica), mas também, sobretudo, pela necessidade de acompanhar a evolução dos criminosos que hoje atuam de forma organizada.
A Instituição Policia Civil tem consciência de que suas responsabilidades são grandes; não só pelo aperfeiçoamento do modo de agir dos criminosos, mas decorrente de sua missão institucional, que é a proteção aos bens, a vida e integridade física dos cidadãos.
No que tange à investigação realizada por instituições ou pessoas não previamente preparadas para esse mister a liberdade, reputação e dignidade de cada cidadão poderá sofrer dano irreparável e, quando mesmo assim, sem RECONHECIMENTO CONSTITUICIONAL, a investigação vem a ser realizada de forma açodada para efeito mediático, termina por causar injustiça ao invés da verdadeira justiça a pessoa investigada. Isto pois quando confrontada com base na visão de uma investigação bem feita com efetivo policial equacionado, por intermédio do único instrumento jurídico legal para interferir na vida do cidadão, o INQUÉRITO POLICIAL, é que surge no mundo jurídico brasileiro a Lei 12830, ora comentada.
Estabelece o art. 144 da Constituição Federal, em consonância com seu § 4º, que:
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (...)
IV - polícias civis;
§ “4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvadas a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.

Neste sentido, a Constituição Federal brasileira estabeleceu que incubem às Polícias Civis a apuração das infrações penais, concedendo expressamente, em alguns casos, a possibilidade de investigação a outros órgãos, como é o caso das CPIs e da investigação militar propriamente dita.
É a Polícia Civil quem tem constitucionalmente a incumbência de apurar as infrações penais, condição escrita de forma cristalina na Constituição Federal, não admitindo interpretações outras que não àquela que reproduza a vontade do legislador de 1988. 
Por sua vez, a forma para exercer essa incumbência se dá por meio do Inquérito Policial, que é o único instrumento legalmente constituído para interferir na vida do cidadão, e o meio de materializar essa forma é pela investigação.
A Investigação surge na Grécia antiga, onde havia uma espécie de prática investigatória para apurar a probidade individual e familiar dos que eram eleitos magistrados; já, para os romanos, no sistema denominado "inquisitio", havia uma delegação de poderes dada pelo Magistrado à vítima ou a seus familiares, para que, em desejando, apurassem o fato criminoso e localizassem o respectivo autor, figurando-se, assim, como verdadeiros acusadores.
Avançando na história, na época do Império, cabia aos Juízes de Paz lavrar “auto de corpo de delito” (hoje denominado Auto de Prisão em Flagrante) e formar a culpa dos delinqüentes. Desta forma, a apuração dos crimes e da respectiva autoria, foi alçada aos Juízes de Paz, que eram eleitos pelo povo.
Ainda na vigência do império, no ano 1840, diante da busca de algumas províncias de então, mormente as localizadas ao norte do território nacional, que queriam tornarem-se autônomas, com governo próprio, fez com que o Imperador D.Pedro I, buscando manter a integridade do território nacional, criasse a figura Delegado de Polícia, que era então nomeado exclusivamente pelo próprio Imperador e tinha como importância estratégica a integração do território nacional, uma das razões de sermos hoje o maior pais da America Latina.
De ressaltar, que essa integração foi decorrente de ter-se o Inquérito Policial tornado o procedimento de “Persecução Criminal” padronizado em relação ao território de norte a sul do Brasil, tendo a frente à figura do Delegado de Polícia, que detinha até a Constituição Federal de 1988, poderes judicantes.
A época além da missão de agregador nacional, o Delegado de Polícia, tinha incumbência de gerir os atos públicos e organizar a vida na sociedade, funções atinentes ao Chefe do Poder Executivo local.       
 Nos idos de 1865/70 havia movimentos populares que buscavam fazer com que o Brasil deixasse de ser IMPÉRIO para se tornar uma REPÚBLICA, e no ano de 1871, por meio da Lei n. 2.033, parcela dos poderes JUDICANTES do DELEGADO DE POLÍCIA, sofreram um “capes diminuto”, ficando a formação da culpa como atribuição exclusiva dos juízes de direito e juízes municipais, cabendo, assim, à polícia (delegados e subdelegados) dirigirem os inquéritos policiais de cunho inquisitorial.

2 - INQUÉRITO POLICIAL – SEU NASCIMENTO.
O inquérito Policial com essa denominação surgiu em nosso ordenamento jurídico pela lei n° 2033 de 20 de setembro de 1871, sendo que seu posicionamento legal vem descrito no artigo 4° do CPP, o qual estabelece: “A Polícia Judiciária será exercida pelas Autoridades Policiais no território de suas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e sua autoria”.
Falando em números, o Inquérito Policial fundamenta 98% (noventa e oito) ou quase a totalidade das denúncias de natureza penal, tanto as previstas em nosso código penal, quanto as previstas nas legislações extravagantes, formuladas pelo Ministério Público contra aqueles apontados pelo Delegado de Polícia, como autores de infrações penais e que, portanto, devem ser levados às malhas da Justiça.
Por ser uma fase pré-processual da atividade persecutória do Estado, o Inquérito Policial, antecede o verdadeiro pronunciamento da justiça, sempre sobre o crivo do Judiciário, e assim, este Poder (JUSTIÇA) pode cautelarmente deferi-lo, requisitá-lo, alterá-lo e até neutralizá-lo, uma vez que o cidadão goza, antes de tudo, de uma defesa ampla e acessível a todos por meio dos recursos apropriados e dos remédios heróicos previstos pela Constituição Federal.
Esclareça-se que, o primeiro Código de Processo Criminal no Brasil foi criado em 1832 e reformado em 1841. Todavia, como dito acima, o surgimento oficial do inquérito policial ocorreu por meio da Lei 2033, de 20 de setembro de 1871, regulamentada pelo Decreto nº 4824/1871, informando, no artigo 42, seu conceito:
“consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e dos seus autores e cúmplices; e deve ser reduzido a instrumento escrito (...)”.

Assim, o Inquérito Policial não é apenas uma ferramenta de grande valia para a persecução penal e formação da justiça, mas também parte da história da humanidade, revelando sua grande importância para os aspectos criminais brasileiros. E neste sentido, a lei 12.830/13 veio para reforçar tal ideia, ideia de que à investigação conduzida pelo Delegado de Polícia deve ser dada total importância e credibilidade, sendo ela merecedora da tutela legal específica.

3 – ANÁLISE DA LEI 12.830/13.
“LEI Nº 12.830, DE 20 DE JUNHO DE 2013.
Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.
Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.
Art. 2o As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
§ 1o Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.
§ 2o Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.
§ 4o O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.
§ 5o A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado.
§ 6o O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.
Art. 3o O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados”.
O art. 1º da lei tem por norte estabelecer a disposição de para quem a lei foi direcionada e qual o seu fim, ou seja, voltada precipuamente à atividade investigativa da Polícia, conduzida pelo Delegado de Polícia. Esta disposição afasta de vez a possibilidade de que outras instituições requisitem medidas cautelares diretamente ao JUIZ, como ordinariamente vem ocorrendo em relação a pedidos de buscas solicitados pela Polícia Militar, agindo de forma inconstitucional frente à previsão do art. 144 da Constituição Federal.
O art. 2° da lei 12.830/13 estabelece que:
“Art. 2o As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais  exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado”.

Estabeleceu o legislador a regra de que o Delegado de Polícia é o primeiro integrante do Estado-Juiz a apreciar a liberdade do cidadão.
Ao dotar o texto do artigo a expressão “de natureza jurídica”, isto implica que o Delegado de Polícia, será o primeiro jurista a ter acesso e a apreciar o caso concreto, adequando-o à previsão legal. Será o Delegado de Polícia o primeiro garantidor de direitos do cidadão, e daí esta atribuição de natureza jurídica, que implica em ter o Delegado de fazer a valoração jurídica do fato-crime apresentado.  
O legislador disse com a expressão “de natureza jurídica”, que o Delegado de Polícia é um operador do Direito que faz a analise e a valoração dos fatos que lhe são apresentados, adequando-os às normas vigentes. Por tal motivo que para esta atividade, a de lidar com a proteção dos direitos individuais, é necessário que hajam profissionais qualificados e com conhecimento jurídico da legislação brasileira.
E mais, ao impor a natureza jurídica ao cargo, o legislador afastou de vez a possibilidade de nomeação de pessoas por indicação, pois foi expressamente reconhecida à natureza jurídica da carreira do Delegado de Polícia, equiparando-a as demais carreiras jurídicas de Estado. Ademias, o legislador constitucional estadual já havia dito isto ao expressar-se com relação à carreira de Delegado de Polícia como função “Essencial e exclusiva de Estado”, mesmo texto que se encontra ao tratar das funções do Ministério Público, Advocacia e Defensoria Pública.
De ressaltar que a Constituição Estadual de São Paulo já havia reconhecido tal direito aos Delegados de Polícia do Estado, vez que prevê a necessidade de bacharelado em direito ao exercício do cargo, bem como assevera tal atividade é essencial à função jurisdicional do Estado e à defesa da ordem jurídica, sendo assegurada independência funcional para a melhor eficiência da função pública exercida.
A questão da “natureza jurídica” do cargo é reforçada no artigo 3º da comentada lei quando o legislador prevê que o cargo de Delegado de Polícia seja Privativo de Bacharel em Direito.
O § 1° do art. 2° da lei em comento estabelece que:
“§ 1o Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias da materialidade e da autoria das infrações penais”.

No contexto do § 1º houve, sob a ótica dos elaboradores, uma diminuição da importância do Inquérito Policial ao tratá-lo como procedimento, pois assim na expressão “ou outro procedimento previsto em lei”.
Por outro lado especifica e reafirma competir ao Delegado de Policia a condução das investigações por meio do Inquérito Policial ou outro procedimento previsto em lei, afastando o tão propalado ciclo completo da Polícia, buscado pela Policia Militar, pois reafirma que compete ao Delegado de Polícia a apreciação dos fatos por “meio de outro procedimento previsto em lei”, podendo-se ler nesse texto a expressão termo circunstanciado. E neste sentido é pacífico o entendimento sobre a inconstitucionalidade de prática atinente à Polícia Judiciário pela Polícia Militar – STF ADI 3614:
“(...) 3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, ao julgar a ADI nº 3.614, que teve a Ministra Cármen como redatora para o acórdão, pacificou o entendimento segundo o qual a atribuição de polícia judiciária compete à Polícia Civil, devendo o Termo Circunstanciado ser por ela lavrado, sob pena de usurpação de função pela Polícia Militar.
4. In casu, o acórdão recorrido assentou: ADIN. LEI ESTADUAL . LAVRATURA DE TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL. ATRIBUIÇÃO À POLÍCIA MILITAR. DESVIO DE FUNÇÃO. OFENSA AOS ARTS. 115 E 116 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTES.
O dispositivo legal que atribui à Polícia Militar competência para confeccionar termos circunstanciado de ocorrência, nos termos do art. 69 da Lei nº 9.099/1995, invade a competência da Polícia Civil, prevista no art. 115 da Constituição do Estado do Amazonas, e se dissocia da competência atribuída à Polícia Militar constante do art. 116 da Carta Estadual, ambos redigidos de acordo com o art. 144, §§ 4º e 5º, da Constituição Federal”.

O texto reafirma a mantença do Inquérito Policial, como forma de apuração do crime, nos termo da lei de introdução do código de processo penal, tratando-o como uma verdadeira forma garantidora do cidadão e da sociedade contra acusações açodadas, levianas, precipitadas e midiáticas, pois mantém o instrumento inquisitorial e, dentro dele, uma gama de atos jurídicos e providencias cautelares que buscam a prova da verdade real e não só a prova para a acusação, e também para a defesa e a absolvição de um inocente.
Avançando no estudo, o § 2º do art. 2º diz:
“§ 2o Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos”.
Ao conferir esse poder de Requisição ao delegado de Polícia buscou o legislador dotar a Autoridade Policial de poderes necessários para fazer a coleta das provas de forma mais célere, facilitando e tornando mais ágil à apuração do crime, podendo requisitar a particulares, agentes públicos e entes estatais o auxilio para a instrumentalização das provas, dando os meios necessários para que seja alcançado o fim do Inquérito Policial.
Com relação às entidades privadas podem-se exemplificar as imagens do circuito interno de uma agência bancária e informações não acobertadas pelo sigilo legal, tais como dados qualificativos do correntista. Portanto, não estando à informação sob o manto do sigilo legal, o dispositivo do parágrafo segundo da novel lei, como vê, autoriza essa colega, independendo de autorização judicial.  
               O verbo descrito na lei (“requisição”) implica fazer obrigar aos requisitados o dever de atender de forma rápida e adequada, fazendo com que o não atendimento do requisitado  adeque-se ao crime de desobediência previsto no artigo 330 do CPB.   
Neste sentido, poderá o Delegado de Polícia requisitar informações e outros dados, desde que não lesem a intimidade e a vida privada do investigado, sendo que, neste caso, será necessária ordem judicial, estando submetida tal tutela a clausula de reserva jurisdicional. E assim, a garantia do art. 5°, X da CF ficará preservada: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Aqui cabe nos reportar a um problema já solucionado, o qual diz respeito aos dados cadastrais de linhas telefônicas; e a um problema a ser solucionado, o qual diz respeito aos dados cadastrais de clientes bancários.
No que tange aos dados referentes às linhas telefônicas não há mais questionamento sobre eventual violação da intimidade do investigado, tendo-se em vista que os dados são de natureza pública, sendo necessária autorização judicial apenas para a interceptação telefônica, conforme HC 990093116952 SP:
“NULIDADE DE OBTENÇÃO DE DADOS CADASTRAIS DE LINHAS TELEFÔNICAS - Inocorrência -Fornecimento de senha pelo Juiz Corregedor dos Presídios ao Delegado da Corregedoria Auxiliar com a finalidade de célere fornecimento das informações necessárias às/ investigações policiais, tratando-se, neste caso, de quebra de sigilo de dados e não de interceptação telefônica – Ordem Denegada”.

Já, com relação aos dados de natureza bancária, a LC 105/01 estabelece que os dados bancários são sigilosos, podendo, no entanto, serem informados à Autoridade presidente do Inquérito Policial por meio de autorização Judicial, nos moldes do art. 1°, § 4° da referida lei:
“Art. 1o As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.
§ “4o A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes”.

Entretanto, tal entendimento não deverá mais prosperar com a publicação desta nova legislação.
Diante da alegação de que os dados cadastrais não possuem natureza íntima do investigado a Autoridade Policial poderá requisitar diretamente aos bancos informações referentes aos investigados, cabendo a estas instituições informarem a Autoridade Policial os dados requisitados sob pena de cometimento de crime de desobediência.
A lei 12.830 traz ainda normas garantidoras ao Delegado de Polícia nos seus § 3º e 4º:
“§ 4o O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação”.
“§ 5o A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado”.

Tais normas não demandam muito estudo e ali foram postas para impedir a ingerência política em relação a uma investigação em andamento.
A instituição Policia Civil atingiu um alto grau de maturidade, e os profissionais que hoje nela atuam possuem responsabilidade profissional, não havendo mais que se falar, ou sequer admitir, ingerência política durante as investigações, sendo que o profissional de policia deve se basear na ética, trazendo os parágrafos mencionados a tranquilidade funcional para o bom desenvolvimento das atividades investigativas.  
O § 6,° por outro lado, é uma verdadeira conquista para a carreira.
“§ 6o O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias”.

Houve há algum tempo uma corrente doutrinaria que buscava desprestigiar o ato do indiciamento, corrente que dizia que tal ato não provoca constrangimento do indiciado. Tal corrente não poderia ter prosperado, como não prosperou, pois este ato privativo do delegado de Polícia provoca sim constrangimento ao indiciado e, por este motivo, determina a lei que o ato deve ser devidamente fundamentado, evitando o excesso por parte da Autoridade Policial e dando ciência ao investigado do fato que lhe esta sendo imputado.
O art. 239 do CPP estabelece que “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”.
O indiciamento é um ato formal eventualmente realizado durante o inquérito policial que decorre do fato de a Autoridade Policial se convencer de que determinada pessoa é a autora da infração penal. Antes do formal indiciamento, a pessoa é tratada apenas como suspeita ou investigada
               Victor Rios Gonçalves ensina que
“O indiciamento é um juízo de valor da autoridade policial durante o decorrer das investigações e, por isso, não vincula o Ministério Público que poderá, posteriormente, requerer o arquivamento do inquérito. De ver-se, todavia, que o indiciamento é uma declaração formal feita por representante do aparato repressivo estatal, no sentido de apontar aquela pessoa como autora do delito e, como conseqüência, seu nome e demais dados são lançados no sistema de informações da Secretaria de Segurança Pública relacionados àquele delito e passam, por isso, a constar da folha de antecedentes criminais do indivíduo. Em caso de futuro arquivamento ou absolvição, o desfecho deverá também ser comunicado à Secretaria de Segurança para que seja anotado na folha de antecedentes” (REIS, Alexandre Cebrian Araújo e GONÇALVEZ, Victor Eduardo Rios. Direito processual penal esquematizado; São Paulo : Saraiva, 2012. Pag.62).

De ressaltar que o indiciamento, conforme previsão legal, é ato privativo da Autoridade Policial, não podendo o Promotor de Justiça ou o Magistrado requisitar o indiciamento à Autoridade, podendo apenas opinarem por ele, o qual ficará a cargo da Autoridade Policial realizá-lo ou não.
Com relação à eventual indiciamento em crimes de menor potencial ofensivo e contravenções penais, este ato não se coaduna com a intenção do legislador, vez que a lei 9.099/95 implementou um modelo de justiça consensual, o qual tem como primeiro objetivo a composição civil dos danos e a imposição de pena não restritiva de liberdade. Sendo assim, os efeitos do indiciamento são incompatíveis com o modelo de justiça instaurado pela lei 9.099/95.
Por fim estabelece a lei em ser artigo 3º.
“Art. 3o O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados”.

Em relação ao contido no artigo em relação ao cargo privativo de bacharel, já tecemos comentários quando tratamos do artigo 2º acima, razão pela qual iremos comentar sobre a forma de tratamento protocolar.
A expressão por si só nos remete a forma de tratamento, forma como deve ser trata a Autoridade Policial de agora em diante. Pela lei, deve ser dado o mesmo tratamento protocolar que recebem as demais carreiras jurídicas essenciais à justiça.
Mas não é, como alguns pensam, a simples colocação do termo “Excelência” nos documentos formais que se resume o tratamento protocolar. É mais do que isto, implica em forma extensiva de tratamento que recebem as demais carreiras, como sinal de respeito ao cargo e à pessoa que o ocupa. E é nesse sentido é que a nova lei deva ser interpretada
O mesmo tratamento protocolar implica em receber o Delegado de Polícia os tratamentos recebidos para a demais carreiras citadas no artigo 3º, abaixo consignados.
Lei Orgânica Nacional do Ministério Público:
“Art. 41. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica:
I - receber o mesmo tratamento jurídico e protocolar dispensado aos membros do Poder Judiciário junto aos quais oficiem”.

Lei Complementar nº 80/94, que organiza a Defensoria Pública, assim estabelece:
“Art. 128. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado, dentre outras que a lei local estabelecer:
XIII - ter o mesmo tratamento reservado aos Magistrados e demais titulares dos cargos das funções essenciais à justiça”.

Por fim, Rogério Sanches Cunha diz que
“Apesar da sua importante atuação na persecução penal, na prática o Delegado de Polícia não recebia o mesmo tratamento protocolar dos demais personagens (magistrados, membros do Ministério Público e Defensoria Pública). Agora, com a novel Lei, ficou estampada a saudável isonomia. Juízes, Defensores, Promotores e Delegados são Excelências nas suas funções. Eis o tratamento protocolar a que alude o dispositivo, não permitindo concluir que ao Delegado se estende garantias outras constitucionalmente previstas para os demais órgãos” (http://atualidadesdodireito.com.br/rogeriosanches/2013/06/23/lei-12-83013-breves-comentarios/ - acesso em 16.07.2013).

Diante do tempo disponibilizado, apresentamos a Vossa Excelência o presente parecer, que por ser meramente consultivo, deixamos de, na conclusão, oferecer nossa opinião sobre o tema, vez que durante o transcurso e analise dos artigos as opiniões foram lançadas, tema a tema.
O presente parecer foi elaborado pelos subscritos que esperam que tenha o estudo atingido o que dele se esperava.


ADILSON JORGE DONOFRIO – DELEGADO DE POLÍCIA TITULAR DO 22° DP - DECAP
RAPHAEL ZANON DA SILVA – DELEGADO DE POLÍCIA ASSISTENTE DO 22° DP - DECAP



terça-feira, 23 de abril de 2013

Crime Impossível - Leitura rápida



Também chamado de quase crime ou tentativa inidônea. De acordo com o CP, não se pune a tentativa em dois casos: 1 – quando a consumação é impossível em virtude de absoluta ineficácia do meio; 2 – absoluta impropriedade do objeto. 

Absoluta ineficácia do meio: é a ineficácia do meio executório que é ineficaz. Ex: mulher grávida ingere açúcar pensando ser remédio abortivo. 

Absoluta impropriedade do objeto: é o objeto sobre o qual recai a conduta. 

Notem, que a ineficácia ou a impropriedade deve ser absoluta, não relativa. O meio absolutamente ineficaz é aquele que jamais produzirá um resultado, já o meio relativamente ineficaz é aquele que poderá produzir o resultado, mas, no momento, não o produzirá.

Assim, se a eficácia for relativa haverá tentativa, se absoluta haverá o crime impossível (não será punida a tentativa). 

O fato de haver câmeras de segurança e funcionários em estabelecimento comercial não constitui meio absoluto para evitar a consumação do crime, ou seja, não é crime impossível. O cliente surpreendido será punido pela tentativa do crime, sendo casos de relativa ineficácia do meio. 

Asúmula 145 do STF dispõe sobre o flagrante preparado ou provocando. Entendo o STF que a preparação do flagrante quando por agente policial torna o crime impossível.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

RELATÓRIO FINAL DE IP - RECEPTAÇÃO CULPOSO - AUSÊNCIA DE DOLO - NÃO INDICIAMENTO - JUSTA CAUSA


 

RELATÓRIO FINAL DE INQUÉRITO POLICIAL

 

REF.: xxxxxxxxxxxxxxxxxx

AUTOR:  xxxxxxxxxxxxxxxxxx

VÍTIMA:  xxxxxxxxxxxxxxxxxx

ILÍCITO PENAL: ART. 180, § 3° DO CP

 

MM JUIZ DE DIREITO

 

               A POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO, representada neste ato pelo Delegado de Polícia subscritor, que no uso de suas atribuições legais e regulamentares conferidas pelo art. 144, § 4°, da Constituição da República; art. 140, da Constituição Estadual Paulista; art. 4° e seguintes do Código de Processo Penal Brasileiro; art. 12 da Portaria DGP 18/1998; e demais dispositivos legais correlatos, respeitosamente reporta-se a V. Excelência o presente RELATÓRIO, com base no art. 10, § 1° do CPP.

 

1 – DOS FATOS

               Instaurou-se IP na data de 29.02.2012 para apurar crime de receptação praticado, em tese, por xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.

               Conforme o B.O n° 1800/12 lavrados nesta Delegacia (fls. 04 a 07), os Policiais Militares que compunham a VTR 29204 foram acionados para comparecerem ao local do fato, Rua Americima – 159, para verificar um veículo que ostentava placas MQJ-7617, o qual possuía dispositivo de rastreamento, estando cadastrado em um veículo de placas EBA-6107, o qual estava bloqueado por estelionato – fato registrado no 35° DP sob o B.O n° 11.315/11.

               Segundo  o averiguado o veículo teria sido deixado em sua casa por uma pessoa chamada xxxxxxx, o qual havia lhe dito que o veículo havia sido reformado recentemente e que o chassi nele gravado (8AC9036725A930815) pertenceria a outro veículo, sinistrado e indenizado por seguradora. Fernando afirmou que xxxxxxx havia pedido para que guardasse o veículo em sua garagem, pagando-lhe a quantia a título de contraprestação, com o objetivo de regularizar os documentos do veículo.

               Por sua vez, a vítima  esclareceu que vendeu um veículo MERCEDEZ BENZ/SPRINTER de placas EBA-6107 à  xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx em dezembro de 2011, sendo que o cheque utilizado para pagar o veículo foi devolvido por “fraude”, registrando o B.O 11.315 no 35° DP.

               Entretanto, ao reativar o sistema de rastreamento do veículo, com o objetivo de localizá-lo, constatou que o rastreador indicou o veículo em questão (MB de placas MQJ-7617), acionando a PM para auxiliá-lo na localização do bem.

               A vítima ratificou sua declaração fornecida no B.O, bem como informou que soube do sistema de rastreamento por meio do proprietário anterior do veículo, sendo que procurou a empresa e pagou as parcelas vencidas para que fosse ativado o sistema e localizado o veículo. Na data de 01.03.2012 o veículo foi depositado ao declarante.

               Requisitada a carta laudo do veículo à montadora (fls. 33 a 36) foi requisitado exame pericial de identificação de veículo automotor ao IC (fls. 39).

               Recebido o laudo e juntado às fls. 43 a 46, foi concluído que havia adulteração de chassi, as etiquetas VIS não eram originais e que as plaquetas dos eixos foram reaproveitadas, sendo, portanto, que o veículo não corresponde àquele cujas características foram consignadas na carta laudo, sendo o veículo resultante da montagem de dois ou mais veículos semelhantes.

               O veículo foi entregue ao proprietário em auto próprio às fls. 54.

               Ouvido o averiguado às fls. 56 confirmou a versão apresentada no B.O que ensejou a instauração deste IP acrescentando que foi a procura de xxxx e que encontrou no interior da VAN um contrato que indicava a Rua  xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx e um livro, que pertencia a xxxx, e indicava o endereço  xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.

               Por fim, declarou que após a apreensão do veículo nunca mais viu xxxx, bem como não conhece  xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.

               Ouvidos os PM’s às fls. 73 e 74, em nada acrescentaram à apuração dos fatos.

               Por fim, às fls. 75,  xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, em declarações, negou que tenha praticado crime de estelionato contra a vítima.

              

               2 – DA OPINIÃO DO DELEGADO DE POLÍCIA

Conforme o recente Manual de Policia judiciária,

“(...) o relatório, peça técnica com forte conteúdo subjetivo, nada impedindo que nele sejam inseridos opiniões ou impressões pessoais, doutrinárias é até jurisprudenciais, determinando o juízo de valor da autoridade policial e que servem para indicar as razões do seu convencimento sobre o término do inquérito policial” (Manual de Polícia Judiciária. 6ª edição. 2012. Pág. 59).

 

2.1 – DA ANÁLISE DO TIPO PENAL

               Estabelece o art. 180 do CP:

“Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro de boa fé, a adquira, receba ou oculte: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa”.

 

               A receptação é crime acessório que guarda autonomia com o crime antecedente, ou seja, não é necessário que o agente do crime antecedente seja condenado, ou isento de pena (excludente de culpabilidade e escusa absolutória – excludente de punibilidade), bastando que o objeto receptado seja produto de crime.

               Este é o entendimento do art. 180, § 4° do CP que, mesmo sendo crime acessório, a receptação guarda autonomia em relação ao crime antecedente por duas regras: punição ainda que desconhecido o autor do crime antecedente; punição ainda que o autor do crime antecedente seja isento de pena.

               Interessante que, ao se falar no crime de receptação, é possível afirmar que o CP adotou a teoria bipartida do crime, já que, por exemplo, se um inimputável furtar objeto, aquele que receptar o objeto incorrerá no presente crime, já que a luz de tal teoria mencionada o inimputável praticou crime.

               Porém, tal hipótese não ocorreria se o CP adotasse a teoria tripartida do crime. Quando a lei fala em “produto de crime” e sendo o crime cometido por inculpável, seria impossível existir (crime de receptação), já que não há culpabilidade (para a teoria tripartida é integrante do conceito do crime).

               O art. 180 do CP exige que o bem seja produto de crime, de modo que o produto de uma contravenção não pode ser objeto de receptação. A título de informação é possível receptação de receptação (receptações sucessivas), ou seja, aquelas praticadas por pessoas diversas em relação ao mesmo bem, desde que todos conheçam sua procedência ilícita.

               Por sua vez, o art. 180, § 3° do CP estabelece:

“Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: Pena – detenção de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas”.

               Ressalte-se que é o único crime contra o patrimônio previsto na modalidade culposa.

               A “condição de quem a oferece”, de acordo com Nucci, “é outro indicativo da imprudência do agente receptador. (...) Admite-se, no entanto, prova em sentido contrário, por parte do agente receptador, demonstrando não ter agido com culpa no caso concreto” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 2012. Pag. 886).

 

               2.2 – DO “DOLO” DO AGENTE E DA CONFIGURAÇÃO DO ART. 180, § 3° DO CP

               O tipo penal previsto no “caput” do art. 180 do CP exige como elemento subjetivo o dolo direito, uma vez que traz em sua descrição o seguinte: “(...) que sabe ser produto de crime (...)”.

               Este é o entendimento trazido por Rogério Sanches: “o caput é punido a título de dolo direito, devendo o agente ter certeza acerca da origem comprovada da coisa (dolo direto). A dúvida, dependendo das circunstâncias, poderá configurar receptação culposa” (SANCHES, Rogério. Código Penal para Concursos. 2011. Pag. 370).

               Mas o que vem a ser dolo?

               Dolo é a vontade de concretizar os elementos objetivos do tipo. Filia-se o direito penal no Brasil duas teorias: teoria da vontade – dolo direto (dolo é querer o resultado) e teoria do assentimento – dolo eventual (dolo é consentir, aceitar o resutado) – art. 18, I do CP. O dolo direito, o qual adequa-se à figura do art. 180 caput do CP, abrange o resultado pretendido; os meios escolhidos e as consequências secundárias inerentes aos meios.

               Com relação a culpa , esta é quebra do dever de cuidado objetivo (dever imposto a todos para que ajam de maneira cuidadosa) pela imprudência, negligência  ou imperícia.

               Ora, é possível afirmar, pelos elementos de prova colhidos até o momento, que o agente tinha a intenção de receber ou ocultar o veículo sabendo que era produto de crime? Acredito que não, e por este motivo entendo pela ausência de dolo direto do agente e pela configuração da culpa, uma vez que não se cercou das precauções devidas quanto ao recebimento do bem em detrimento à condição que lhe foi oferecido para que o “guardasse”.

 

2.3 - DA AUSÊNCIA DO INDICIAMENTO E, POR CONSEQUÊNCIA, DO FORMAL INTERROGATÓRIO DO AUTOR

               Não há que se questionar sobre a existência de dúvidas sobre a autoria do delito de receptação praticado por  xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx. Ocorre que, pelo entendimento desta autoridade, a conduta do autor adequa-se tipicamente ao fato descrito no art. 180, § 3° do CP, o qual tem como pena máxima cominada detenção de 01 ano.

               Diante disto, necessário discutir a real necessidade do interrogatório no Inquérito Policial afim de que o Douto Membro do Ministério Público forme sua convicção sobre a veracidade dos fatos e a autoria.

               Conforme ensina Gustavo O. Diniz Junqueira, o interrogatório

“apresenta uma natureza jurídica híbrida ou mista, porquanto constitui meio de defesa e meio de prova (...) Ostenta a natureza precípua de meio de defesa, pois consubstancia o ato processual, por excelência, de instrumentalização da autodefesa (...) (JUNQUEIRA. Processo Penal. Elementos do Direito. RT. 2012. Pag. 147).

 

               Sabendo que o Inquérito Policial é um procedimento administrativo regido pelo sistema inquisitorial, o interrogatório, não pode ser tido como meio de defesa, vez que não se aplica a esta fase os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa previstos no art. 5°, LV.

               Tratando o interrogatório nesta fase investigativa apenas como meio de prova, não se vê necessário, salvo em caso de indiciamento, que o interrogatório seja realizado com o objetivo de corroborar com as provas já existentes caso a materialidade do crime e sua autoria já estivessem definidas, o que ocorre no caso em tela.

               Portanto, no que tange à obrigatoriedade do Interrogatório na fase investigativa, pode-se falar em sua desnecessidade, ainda mais com a necessidade de observância aos prazos legais previstos, bem como a devida apuração dos fatos da forma mais rápida possível.

               No que tange ao indiciamento, “data máxima vênia”, este deve ser realizado somente em crimes cuja pena máxima exceda aos 04 anos, tendo em vista que seus efeitos devem ser levados em consideração quando contrapostos ao sistema constitucional vigente.

De se notar que o sistema processual brasileiro, com mais razão, a partir da lei 12.403/11, fixou certos limites com base nas penas em abstrato. Neste ponto, tendo ao entendimento de que aos crimes cuja pena máxima cominada supere 04 anos são aqueles entendidos pelo legislador como sendo de maior gravidade, o que, num primeiro momento, possibilitaria o ato do indiciamento.

 

2.4 – DA PRESENÇA DE JUSTA CAUSA PARA O OFERECIMENTO DA AÇÃO PENAL

Justa causa é definida como suporte probatório mínimo para que se possa basear a acusação, sendo a prova de materialidade e indícios razoáveis de autoria, o que pode ser apontado neste procedimento.

               Neste sentido, para Aury Lopes Jr. (Os sistemas de investigação preliminar no direito processual brasileiro), “o valor do IP é informativo, sendo o IP apenas para formar a justa causa para o oferecimento da ação penal, devendo o MP formar a sua opinião e apenas juntar à denúncia as provas não repetíveis, já que o Juiz deve ater-se somente às provas produzidas em âmbito processual para formar seu convencimento”.

               Ainda que discorde deste posicionamento, já que o art. 155 do CPP estabelece a possibilidade de o Juiz formar seu livre convencimento com base em provas colhidas durante a investigação policial, desde que não exclusivamente, Aury Lopes Jr. traz uma boa definição sobre o tema.

 

2.5 – DA OPINIÃO FINAL DO DELEGADO DE POLÍCIA

               Por meio do apurado neste Inquérito Policial é possível concluir que, no mínimo, xxxxxxxxxxxxxxxx agiu com culpa ao guardar o veículo em sua casa sem tomar maiores cuidados, como já demonstrado e justificado por esta autoridade, incorrendo no delito do art. 180, § 3° do CP.

Diante do exposto, remeto os autos ao MM Juiz para que abra vista ao Ministério Público afim de que tome as providências previstas no Código de Processo Penal brasileiro.

 

 

 

É o relatório

 

São Paulo, 18 de Fevereiro de 2013