- ART. 217-A – ESTUPRO DE VULNERÁVEL
A lei 12.015/09 trouxe uma nova modalidade de estupro como tipo penal autônomo, não mais sendo utilizadas as figuras do art. 224 do CP que traziam a violência presumida às vítimas menores de 14 anos, alienação ou debilidade mental ou caso a vítima não pudesse oferecer resistência.
Destarte, não houve alteração quanto às questões anteriormente definidas como “presunção de violência”, mas apenas alteração quanto ao termo utilizado, que agora, tais vítimas se enquadram na vulnerabilidade, como sendo aquelas que não possuem condições de consentir de forma válida com a prática sexual, seja ela a conjunção carnal, seja outro ato libidinoso.
Estabelece o art. 217 – A do CP:
“Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze)
anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 2º (VETADO)
§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4º Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos”.
Quanto à vulnerabilidade “a antiga discussão acerca da presunção de violência, se absoluta ou relativa, travada especialmente no campo da idade, não foi de toda afastada. A interpretação literal do recém editado art. 217-A do CP tem levado a conclusões precipitadas no sentido de que a antiga discussão sobre a natureza da presunção, se absoluta ou relativa, desapareceu, dando lugar presunção iuris et de iuri (absoluta) de vulnerabilidade das pessoas ali elencadas” [1].
“A fim de se desfazer tal equívoco, e, em respeito aos princípios constitucionais da intervenção mínima do direito penal, da ofensividade, do contraditório e da presunção de inocência, é que a vulnerabilidade, merecedora de tutela penal, deve ser compreendida de forma restrita e causuisticamente, tendo como essência a fragilidade e a incapacidade física ou mental da vítima, na situação concreta, para consentir com a prática do ato sexual” [2].
Ocorre que, infere-se da redação legal, que na prática de ato sexual com a vítima em condição de vulnerabilidade há uma presunção de lesão ao bem jurídico “liberdade sexual”, justamente pela condição especial da vítima. Desta forma, a prática de conjunção carnal ou atos libidinosos diversos com tais vítimas é, necessariamente, lesiva à dignidade sexual.
1. Sujeitos da infração: é crime comum quanto ao sujeito ativo, já que pode ser praticado por qualquer pessoa. Porém, é crime próprio quanto ao sujeito passivo, já que exige especial condição da vítima, ou seja, menor de 14 anos, portadora de enfermidade ou deficiência mental ou incapacidade de discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não tenha condições de oferecer resistência.
Necessário que o agente tenha ciência de tais especificidades com relação à vítima, já que, diante do Princípio da Culpabilidade, o agente só poderá ser punido na medida de seu dolo ou culpa. Portanto, caso o autor não tenha ciência de quaisquer das condições atribuídas à vítima ocorrerá erro de tipo [3], afastando-se o dolo, e conseqüentemente, não mais havendo punição, já que não há previsão culposa do tipo penal de estupro.
Quanto à idade da vítima, o STF já reconheceu que, embora entenda que o fato da vítima ser menor de 14 anos seja absoluto, poderá haver incidência do erro de tipo: “1. Em se tratando de delito contra os costumes, a palavra da ofendida ganha especial relevo. Aliada aos exames periciais, ilide o argumento da negativa de autoria. 2. O erro quanto à idade da ofendida é o que a doutrina chama de erro de tipo, ou seja o erro quanto a um dos elementos integrantes do erro do tipo. A jurisprudência do tribunal reconhece a atipicidade do fato somente quando se demonstra que a ofendida aparenta ter idade superior a 14 (quatorze) anos. Precedentes (...)” [4].
Indiscutível que não é pacífico ainda a questão, já mencionada, acerca da vulnerabilidade da vítima ser relativa ou absoluta, mas pedimos escusas para citar o brilhante voto proferido pelo Desembargado Guilherme de Souza Nucci, na Apelação criminal n° 990.10.333018-8 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o qual entende ser relativa tal presunção aos adolescentes:
“Inicialmente, vale um registro. A alteração introduzida pela lei 12.015/2009 não eliminou a controvérsia doutrinária e jurisprudencial quanto a ser relativa ou absoluta a presunção de violência prescrita no antigo art. 224 do Código Penal. O debate, agora, cinge-se à relativização, ou não, da vulnerabilidade da vítima.
Conforme tenho defendido, não caminhou bem o legislador ao deixar de homogeneizar a definição de criança e adolescente, ora protegendo o menor de 12 anos (Estatuto da Criança e do Adolescente), ora resguardando o menor de 14 anos (Código Penal).
Entendo, portanto, ser absoluta a presunção de vulnerabilidade tão somente em relação às crianças, ou seja, aos menores de 12 anos. Sendo, ao contrário, possível discutir-se a relativização da vulnerabilidade em se tratando de adolescentes (maiores de 12 anos). (...).
In casu, a vítima contava a idade de 13 anos, razão pela qual é possível analisar-se a relativização da vulnerabilidade.
Há nos autos informação de já ser a vítima iniciada na vida sexual, inclusive prostituindo-se por dinheiro em diversas outras ocasiões.
Conforme restou apurado, na data dos fatos o apelante chamou a vítima para conversar às margens da linha férrea, ocasião em que a vítima se fez acompanhar do adolescente Luiz Antônio Galdino, maior de quatorze anos, oportunidade em que ambos praticaram sexo oral no apelante.
A vítima, Davi, narra ser homossexual, tendo mantido sua primeira relação sexual aos 10 anos de idade. Relata ter mantido relações homossexuais com as pessoas de Jacir, Olívio, José Paulo, José Perin, com o próprio apelante, dentre outros, por vezes recebendo dinheiro pela prática sexual (fls. 493 e ss.).
Em solo policial narrou: "Esclareço que faço isto porque gosto, não procuro tirar proveito disto" (fls. 13).
Assim, analisando o caso concreto, entendo que a suposta vítima não se encontrava em situação de vulnerabilidade, tendo plena ciência do quanto se passava, não se podendo falar em presunção de violência.
Portanto, a absolvição é a melhor medida.
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao apelo defensivo para absolver Luiz Antônio Vieira de Brito das imputações que lhe são feitas”.
Com relação à ausência de discernimento da vítima em virtude de doença mental ou enfermidade, o entendimento é o mesmo que o mencionado com relação à idade da vítima. O conhecimento destas condições pelo sujeito ativo da infração é imprescindível, bem como, tal hipótese, deve ser analisada de acordo com as circunstâncias, ponderando o grau de incapacidade da vítima.
Por fim, e para não nos estendermos mais sobre o assunto, há a condição de vulnerabilidade nos casos em que a vítima não possa oferecer resistência.
Necessário diferenciar a vítima que não possa oferecer resistência daquela que possui capacidade para tanto, porém, com capacidade reduzida, como nos casos de vítima não completamente embriagada.
Importante, em casos de embriaguez, destacar se a vítima encontra-se completamente embriagada ou não. Se a embriaguez for completa, a conduta é passível de ser caracterizada como estupro, devendo ser observadas as circunstâncias do fato, bem como a questão da “actio libera in causae”, já que, por muitos vezes, a embriaguez é pressuposto para a prática de relações sexuais, tal como, por exemplo, para tomar coragem para a realização do ato.
Interessante a conduta daquele que embriaga a vítima para praticar conjunção carnal. Entendemos que, neste caso, a vítima, ao tempo da ingestão da bebida alcoólica, era totalmente capaz de entender a situação fática (“actio libera in causae”), motivo pelo qual, a depender das circunstâncias poderá configurar fato atípico, bem como o crime do art. 215 do CP, já tratado aqui, violação sexual mediante fraude.
2. Formas qualificadas: não há muito assunto a ser abordado neste ponto em específico. O Necessário é reforçar a questão de que tais qualificadoras trazidas (lesão grave ou morte) são preterdolosas.
Sendo assim, ao agente que mantém conjunção carnal com vulnerável e, após o ato, mata a vítima para ocultar o crime antecedente, responderá pelos crimes de estupro de vulnerável em concurso material com o crime de homicídio qualificado.
3. Ação Penal: a antiga redação do art. 225 do CP estabelecia que a ação penal nos casos de estupro com violência presumida seria privada, salvo nos casos em que o “crime era cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador”, sendo ação pública incondicionada.
Com a nova redação do art. 225 do CP a ação penal nos crimes cometidos contra vulnerável se tornou pública incondicionada, bem como, nos casos em que a vítima for menor de 18 anos.
[1] NUCCI, Guilherme de Souza; ALVES, Jamil Chaim; ZIMMARO, Rafael Barone; BURRI, Juliana; CUNHA, Patrícia Bastos Monteiro; SILVA, Raphael Zanon da. O Crime de estupro sobre o prisma da lei 12.015/09 (Artigos 213 E 217-A do Código Penal). RT 902. Pág. 411.
[2] Idem.
[3] Apelação nº 0002776-38.2009.8.26.0040. TJSP. Desembargador Paulo Rossi. APELAÇÃO CRIMINAL ESTUPRO VIOLÊNCIA PRESUMIDA VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS DE IDADE RECURSO MINISTERIAL – PRETENDIDA CONDENAÇÃO- IMPOSSIBILIDADE - ERRO DE TIPO - PLAUSIBILIDADE - MENINA COM CORPO SEXUALMENTE DESENVOLVIDO, QUE CONSENTIU COM O ATO LIBIDINOSO -APARENTES MOTIVOS PARA QUE O AGENTE ACREDITASSE TER A ADOLESCENTE MAIS DE 14 (QUATORZE) ANOS - ERRO QUANDO A ELEMENTO CONSTITUTIVO DO TIPO - DÚVIDA - BENEFÍCIO QUE DEVE SER RESOLVIDO EM FAVOR DO RÉU - MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO NECESSIDADE.
[4] STF, RHC 79788/MG. 2° Ttuma. 02.05.2000. Relator – Min. Nelson Jobim.
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