segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Direito ao silêncio e não autoincriminação (art. 5°, LXIII)

Tem sua origem no Direito Penal antigo e não só permite que o acusado permaneça em silêncio durante toda a investigação e em juízo, como impede que seja coagido a produzir ou, até mesmo a contribuir com a formação de prova contra o seu interesse. Tem sua máxima na expressão latina “nemo tenetur se detegere”.
A partir deste princípio constituciona,l que deve ser assegurado em todas as fases da persecução penal, surgiram algumas questões contraditórias, tais como as questões ocorridas por força da aplicação do art. 186 do CPP (interrogatório) e do art. 7° do mesmo diploma legal (reconstituição do crime).
Estabelece o art. 186 do CPP: “Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas”.
O interrogatório é autêntico meio de defesa, pautando-se na questão da auto defesa do acusado, permitindo que este influa direta e pessoalmente no convencimento do Juiz, sendo, porém, renunciável pelo acusado.
Neste caso entende-se que o interrogatório é dividido em duas partes, o interrogatório de qualificação, o qual versa sobre a pessoa do acusado; e interrogatório de mérito, que versa sobre o fato constitutivo da acusação.
Importante mencionar que o direito ao silêncio, bem como a possibilidade do acusado mentir, decorrem do direito de defesa, não alcançando o interrogatório de qualificação, resultando, então, na não aplicação do art. 5°, LXIII ao interrogatório de qualificação, sendo tal princípio relativizado. Neste ponto, caso o acusado silencie sobre sua identificação restará a contravenção penal do art. 68 da LCP (recusa de dados sobre sua própria identidade ou qualificação) ou, caso o acusado minta sobre sua identidade para obter vantagem ou para causar dano a outrem restará configurado o crime de falsa identidade, art. 307 do CP. (Há recente acórdão do STJ suspendendo, nos Tribunais, todas as causas condizentes com a aplicação do art. 307 – a tendência é considerar que não configura crime).
Com relação à reconstituição do crime prevista pelo art. 7° do CPP é esmagadora a jurisprudência no sentido de que o indiciado não tem o dever de comparecer à reprodução simulada, tendo em vista o princípio da não produção de provas contra si mesmo, “nemo tenetur se detegere”, sob pena, inclusive, de caracterizar injusto constrangimento.
Nesse sentido o acórdão proferido pelo TJRS:
“HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. REPRODUÇÃO SIMULADA DOS FATOS. ART. 7º, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DILIGÊNCIA REQUISITADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. OBRIGATORIEDADE DA PARTICIPAÇÃO DO ACUSADO. Não se pode compelir o indiciado a participar da reconstituição da prática criminosa, sob pena de se caracterizar injusto constrangimento. Ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. REALIZAÇÃO DA DILIGÊNCIA. POSSIBILIDADE. Não estando caracterizadas situações de contrariedade à moralidade e à ordem pública, o que se veda, é de ser realizada a reprodução simulada dos fatos, à luz do art. 7º, do Código de Processo Penal. Trata-se de importante fonte de prova e de convicção sobre como ocorreu o delito. (Habeas Corpus Nº 70013558374, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Danúbio Edon Franco, Julgado em 15/12/2005)” [1].

Ocorre que a jurisprudência fala em participar, não em comparecer. Vamos exemplificar: se este meio de prova for produzido em sede de processo penal, ou seja, sob a égide do princípio acusatório, notadamente que haverá contraditório e ampla defesa, devendo o réu, ao menos presenciar a reconstituição do crime, sob pena de nulidade do ato.
Ora, sob um ponto de vista pessoal e minoritário tem-se admitido a condução coercitiva ao local da reprodução simulada dos fatos, sob pena de incorrer no crime de desobediência. Comparecendo, não será o indiciado obrigado a participar tendo em vista o princípio ora aludido.

Princípio Acusatório

           Pode-se dizer que é um dos pilares de um Estado Democrático de Direito, o qual garante a efetiva aplicação de um contraditório e uma ampla defesa justa. Nesse processo, além de existir um Juiz imparcial, há também um sistema no qual as partes possuem funções de defesa e acusação bem delineadas. O único interesse do Juiz é a solução do conflito de acordo com os princípios constitucionais e leis processuais.
Há quem diga que o sistema adotado no Brasil é misto. Errada encontra-se esta afirmação. O sistema adotado pelo Brasil é eminentemente acusatório, já que definição de um sistema processual há de limitar-se ao exame do processo, e, sendo o inquérito policial um procedimento administrativo, misto não será o sistema processual brasileiro.
Eugênio Pacelli critica algumas atuações jurisdicionais no curso do Processo, dando a entender que a igualdade de partes ainda não é totalmente aplicada:
“Com efeito, a igualdade das partes somente será alcançada quando não se permitir mais ao Juiz uma atuação substitutiva da função ministerial, não só no que respeita ao oferecimento da acusação, mas também no que se refere ao ônus processual de demonstrar a veracidade das imputações feitas ao acusado. A iniciativa probatória do juiz deve limitar-se, então, ao esclarecimento das questões ou pontos duvidosos sobre o material já trazido pelas partes (...)” [1].

Em contrapartida, o artigo 156, I do CPP, ao permitir que o Juiz, de ofício, ordene, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção de provas consideradas urgentes e relevantes, viola o princípio em questão. Não cabe ao Juiz tutelar e direcionar a investigação. Um Juiz que atua desta maneira na fase investigatória, além de violar o sistema acusatório, acaba por se tornar parcial ao proferir sua decisão.
Por fim, nota-se que o princípio acusatório não se encontra bem delineado pela legislação infraconstitucional, bem como por parcela da doutrina.


[1] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13ª edição. Lúmen Júris. Rio de Janeiro. 2010. Pág.11.