Com fundamento constitucional (art. 129, I, VI e VIII da CF) [1], bem como no âmbito do MPF, pela lei complementar 75/93 nos dispostos nos artigos 7º, 8º [2] e também no art. 38 [3], observa-se que foi conferido ao Ministério Público atribuições para requisitar inquéritos e investigações. Nesta linha, a lei 8625/93 também reserva tais poderes ao Ministérios Público Estadual. Importante mencionar que o Ministério Público, com base nos artigos mencionados poderá sim investigar, porém nunca poderá presidir inquérito policial, já que tal atribuição é típica das autoridades policiais.
A investigação levada à cabo pelos membros do “parquet” baseia-se na teoria dos poderes implícitos que bem se apresentou no informativo 564 do STF que traz a seguinte redação:
“Ponderou-se que a outorga de poderes explícitos, ao Ministério Público (CF, art. 129, I, VI, VII, VIII e IX), supõe que se reconheça, ainda que por implicitude, aos membros dessa instituição, a titularidade de meios destinados a viabilizar a adoção de medidas vocacionadas a conferir real efetividade às suas atribuições, permitindo, assim, que se confira efetividade aos fins constitucionalmente reconhecidos ao Ministério Público (teoria dos poderes implícitos). Não fora assim, e desde que adotada, na espécie, uma indevida perspectiva reducionista, esvaziar-se-iam, por completo, as atribuições constitucionais expressamente concedidas ao Ministério Público em sede de persecução penal, tanto em sua fase judicial quanto em seu momento pré-processual. Afastou-se, de outro lado, qualquer alegação de que o reconhecimento do poder investigatório do Ministério Público poderia frustrar, comprometer ou afetar a garantia do contraditório estabelecida em favor da pessoa investigada. Nesse sentido, salientou-se que, mesmo quando conduzida, unilateralmente, pelo Ministério Público, a investigação penal não legitimaria qualquer condenação criminal, se os elementos de convicção nela produzidos — porém não reproduzidos em juízo, sob a garantia do contraditório — fossem os únicos dados probatórios existentes contra a pessoa investigada, o que afastaria a objeção de que a investigação penal, quando realizada pelo Ministério Público, poderia comprometer o exercício do direito de defesa. Advertiu-se, por fim, que à semelhança do que se registra no inquérito policial, o procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público deverá conter todas as peças, termos de declarações ou depoimentos e laudos periciais que tenham sido coligidos e realizados no curso da investigação, não podendo o membro do parquet sonegar, selecionar ou deixar de juntar, aos autos, qualquer desses elementos de informação, cujo conteúdo, por se referir ao objeto da apuração penal, deve ser tornado acessível à pessoa sob investigação. HC 89837/DF, rel. Min. Celso de Mello, 20.10.2009. (HC-89837)”.
Mas tal decisão não foi primeira proferida pela Suprema Corte. Em 2008, no RE 535478, de relatoria da Min. Ellen Gracie foi entendido que, tendo em vista que a denúncia poderia ser oferecida baseada em peças de informações obtidas pelo órgão do MPF, sem a necessidade de prévio inquérito policial, em nada obstaria que o Ministério Público, como titular da ação penal, diligenciasse diretamente para a obtenção de provas, formando, assim, o seu convencimento para a propositura da ação penal.
Para Alexandre de Moraes “Incorporou-se em nosso ordenamento jurídico, portanto, a pacífica doutrina constitucional norte-americana sobre a teoria dos poderes implícitos — inherent powers —, pela qual no exercício de sua missão constitucional enumerada, o órgão executivo deveria dispor de todas as funções necessárias, ainda que implícitas, desde que não expressamente limitadas (Myers v. Estados Unidos US — 272 — 52, 118), consagrando-se, dessa forma, e entre nós aplicável ao Ministério Público, o reconhecimento de competências genéricas implícitas que possibilitem o exercício de sua missão constitucional, apenas sujeitas às proibições e limites estruturais da Constituição Federal” [4].
Eugênio Pacelli de Oliveira justifica a possibilidade do MP investigar na seguinte questão: “(...) julgamos de manifesta insubsistência, teórica e prática, o argumento em favor da privatividade da investigação em mãos da polícia. A Constituição da República, a todas as luzes, não a contempla no Capítulo que cuida da Segurança Pública (arts. 144 e seguintes, CF). A única menção feita à exclusividade que ali se contém diz respeito ao disposto no art. 144, § 1º, IV, no qual se estabelece caber à Polícia Federal, com exclusividade, as funções de polícia judiciária” [5].
Há quem entenda que o Ministério Público não poderá realizar atribuições que a constituição federal não mencionou explicitamente. Neste ponto Guilherme de Souza Nucci “(...) cremos inviável que o promotor de justiça, titular da ação penal, assuma a postura de órgão investigatório, substituindo a polícia judiciária e produzindo inquéritos visando à apuração de infrações penais e de sua autoria. (...) Ao Ministério Público foi reservada a titularidade da ação penal, ou seja, a exclusividade no seu ajuizamento, salvo o excepcional caso reservado à vítima. (...) O sistema processual penal foi elaborado para apresentar-se equilibrado e harmônico, não devendo existir qualquer instituição superpoderosa. Note-se que, quando a polícia judiciária elabora e conduz a investigação criminal, é supervisionada pelo Ministério Público e pelo Juiz de Direito. Este, ao conduzir a instrução criminal, tem a supervisão das partes – Ministério público e advogados. Logo, a permitir-se que o Ministério Público, por mais bem intencionado que esteja, produza de per si investigação criminal, isolado de qualquer fiscalização, sem a participação do indiciado, que nem ouvido precisa ser, significaria quebrar a harmônica e garantista investigação de uma infração penal” [6].
Apresentada as duas posições acima (de se notar que a primeira advém de um membro do MPF e a segunda de um desembargador do Estado de São Paulo), acredito com bem mencionado pela jurisprudência, haver um meio termo para a solução da questão. É por óbvio que o Ministério Público ao realizar uma investigação, não poderá exercê-la com poderes irrestritos e inquestionáveis, devendo, assim como ocorre com a Polícia Judiciária, ser submetido à apreciação do Poder Judiciário.
Favorecendo este entendimento, o Ministro Gilmar Mendes, em um belíssimo voto proferido no HC 93.930 – RJ – em 07.12.2010, entendeu que “(...) as investigações realizadas no seio daquela instituição devem ser, necessariamente, subsidiárias, ocorrendo, apenas, quando não for possível, ou recomendável, que se efetivem pela própria polícia. Note-se que caberá, sempre, ao Ministério Público o controle externo da atividade policial, o que implica a natural participação do Parquet no controle das investigações realizadas”.
Diante desta posição percebe-se que há uma lacuna legislativa quanto à possibilidade das investigações penais serem conduzidas pelo Ministério Público, no qual a lei somente autoriza tais investigações (art. 4º do CPP) através de inquérito policial presidido por Delegado de Polícia. Não afirmo neste ponto que o Ministério Público presidirá o inquérito policial, apenas deixo a questão de que há de se levar em conta os gravames de uma investigação ao investigado, que terá sua intimidade violada.
Neste ponto, estabelece o art. 5°, X da Constituição Federal que “X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Com já dito, a investigação por si só já causa um constrangimento ao investigado, justamente por ter sua vida privada e sua intimidade violadas. É necessário que ao investigado seja concedido o mínimo de direitos e garantias durante a investigação, que somente podem ser relativizados com autorização judicial. Com já mencionado acima, é possível extrair da lição de Guilherme de Souza Nucci acerca da possibilidade do Ministério Público conduzir investigações, que é necessário que haja fiscalização do Poder Judiciário, para que não haja em nosso ordenamento uma instituição “superpoderosa”.
Apesar dos pontos apresentados neste trabalho, é possível sim trazer a “Teoria dos Poderes Implícitos” para o ordenamento jurídico brasileiro, desde que, como bem explicado pelo Ministro Gilmar Mendes, de maneira subsidiária, ou seja, em casos excepcionais, tais como aqueles em que há o envolvimento de policiais, evitando, assim, um certo corporativismo que influencia no direcionamento e na imparcialidade das investigações.
[1] “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais”.
[2] Lei complementar 75/93: Art. 7º Incumbe ao Ministério Público da União, sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais: I - instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos; II - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas;III - requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentos administrativos, ressalvados os de natureza disciplinar, podendo acompanhá-los e produzir provas.
Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência: I - notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada; II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta; III - requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e meios materiais necessários para a realização de atividades específicas; IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas; V - realizar inspeções e diligências investigatórias; VI - ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio; VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar; VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública; IX - requisitar o auxílio de força policial”.
[3] Art. 38. São funções institucionais do Ministério Público Federal as previstas nos Capítulos I, II, III e IV do Título I, incumbindo-lhe, especialmente: I - instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos; II - requisitar diligências investigatórias e instauração de inquérito policial, podendo acompanhá-los e apresentar provas; III - requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentos administrativos, ressalvados os de natureza disciplinar, podendo acompanhá-los e produzir provas; IV - exercer o controle externo da atividade das polícias federais, na forma do art. 9º; V - participar dos Conselhos Penitenciários; VI - integrar os órgãos colegiados previstos no § 2º do art. 6º, quando componentes da estrutura administrativa da União; VII - fiscalizar a execução da pena, nos processos de competência da Justiça Federal e da Justiça Eleitoral.
[4] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24ª edição. Atlas. 2009. pág. 690.
[5] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13ª edição. Lúmen Júris. Rio de Janeiro. 2010. pág. 94.
[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8ª edição. RT. São Paulo. 2008. Pág.79.