Praticado um
crime, nasce para o Estado o dever poder de punir o agente delituoso nos
rigores da lei penal, de modo que o exercício do “jus puniendi” se dá pela
persecução criminal. Por sua vez, a persecução criminal se dá em duas fases:
fase investigativa e fase processual.
Regra geral,
a fase investigativa se dá por meio da instauração de um inquérito policial,
procedimento obrigatório e indispensável (majoritário o entendimento pela sua
dispensabilidade) que visa a busca da verdade real dos fatos, sendo presidido
pela Autoridade Policial.
Estabelece o art.
144 da Constituição Federal, § 4º, que:
“A segurança pública, dever
do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação
da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos: (...)
IV - polícias civis;
§ “4º - às polícias civis,
dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvadas a
competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais, exceto as militares”.
Diante
da atribuição constitucional conferida ao Delegado de Polícia pela Constituição
Federal, cabe à esta Autoridade expedir atos necessários à investigação, desde
que não violem direitos e garantias fundamentais do ser humano, caso em que é
necessária autorização judicial para que seja realizado o ato.
De
ressaltar, que o art. 6° do CPP estabelece, em rol não exaustivo, diversas
diligências a serem realizadas pela Autoridade Policial quando do conhecimento
de um fato delituoso. Neste sentido, a lei 12.830/13, em seu art. 2°, § 2°
estabeleceu que “§ 2o Durante a investigação criminal,
cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e
dados que interessem à apuração dos fatos”.
Ao conferir esse poder de Requisição ao delegado de Polícia buscou o
legislador dotar a Autoridade Policial de poderes necessários para fazer a
coleta das provas de forma mais célere, facilitando e tornando mais ágil à
apuração do crime, podendo requisitar a particulares, agentes públicos e entes
estatais o auxilio para a instrumentalização das provas, dando os meios
necessários para que seja alcançado o fim do Inquérito Policial.
O verbo descrito na lei (“requisição”) implica fazer obrigar aos
requisitados o dever de atender de forma rápida e adequada, fazendo com que o
não atendimento do requisitado adeque-se
ao crime de desobediência previsto no artigo 330 do CP.
Neste sentido, poderá o Delegado de Polícia requisitar
informações e outros dados, desde que não lesem a intimidade e a vida privada
do investigado, sendo que, neste caso, será necessária ordem judicial, estando
submetida tal tutela a clausula de reserva jurisdicional e, assim, a garantia
do art. 5°, X da CF ficará preservada: “são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Portanto, não estando à informação sob o manto do sigilo legal, o
dispositivo trazido, autoriza esta coleta, independendo de autorização
judicial.
Aqui surge um grande problema prático e rotineiro na atividade exercida
pelo Delegado de Polícia: A escusa pelos hospitais em fornecer prontuário de atendimento
ao Delegado de Polícia quando requisitado alegando ser necessária autorização
judicial por se tratar de sigilo médico.
De início necessário realizar uma breve análise sobre as normatizações
trazidas com o Código de Ética Médica.
Estabelece o Art. 102 do Código de Ética Médica quanto ao sigilo
relacionado ao segredo médico: “Art. 102 - Revelar fato de que tenha
conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente”.
Tal dispositivo estabelece que o sigilo relacionado ao atendimento do
paciente deve ser preservado, entretanto, há três hipóteses em que não se
poderá alega-lo: justa causa; dever legal ou autorização expressa do paciente.
O que nos chama a atenção ao dispositivo colacionado é o que vem a ser
“justa causa” para o Código de Ética Médica. De acordo com o disposto na página
oficial do CRM-SP, são exemplos de “justa causa”:
“a) Para evitar casamento de portador
de defeito físico irremediável ou moléstia grave e transmissível por contágio
ou herança, capaz de por em risco a saúde do futuro cônjuge ou de sua
descendência, casos suscetíveis de motivar anulação de casamento, em que o
médico esgotará, primeiro, todos os meios idôneos para evitar a quebra do
sigilo;
b) Crimes de ação pública incondicionada quando solicitado por autoridade judicial ou policial, desde que estas, preliminarmente, declarem tratar-se desse tipo de crime, não dependendo de representação e que não exponha o paciente a procedimento criminal;
c) Defender interesse legítimo próprio ou de terceiros” (http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Publicacoes&acao=detalhes_capitulos&cod_capitulo=57 – acesso em 17.09.2013).
b) Crimes de ação pública incondicionada quando solicitado por autoridade judicial ou policial, desde que estas, preliminarmente, declarem tratar-se desse tipo de crime, não dependendo de representação e que não exponha o paciente a procedimento criminal;
c) Defender interesse legítimo próprio ou de terceiros” (http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Publicacoes&acao=detalhes_capitulos&cod_capitulo=57 – acesso em 17.09.2013).
Os comentários
sobre o sigilo médico vão além:
“Com relação ao pedido de cópia do prontuário pelas Autoridades
Policiais (delegados, p.ex.) e/ou Judiciárias (promotores, juízes, etc.), vale
tecer alguns esclarecimentos sobre segredo médico.
O segredo médico é uma espécie do segredo profissional, ou seja,
resulta das confidências que são feitas ao médico pelos seus clientes, em
virtude da prestação de serviço que lhes é destinada. O segredo médico
compreende, então, confidências relatadas ao profissional, bem como as
percebidas no decorrer do tratamento e, ainda, aquelas descobertas e que o
paciente não tem intenção de informar. Desta forma, o segredo médico é, penal
(artigo 154 do Código Penal) e eticamente, protegido (artigo 102 e seguintes do
Código de Ética Médica), na medida em que a intimidade do paciente deve ser
preservada.
Entretanto, ocorrendo as hipóteses de
"justa causa" (circunstâncias que afastam a ilicitude do ato),
"dever legal" (dever previsto em lei, decreto, etc.) ou autorização
expressa do paciente, o profissional estará liberado do segredo médico. Assim,
com as exceções feitas acima, aquele que revelar as confidências recebidas em
razão de seu exercício profissional deverá ser punido” (http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Publicacoes&acao=detalhes_capitulos&cod_capitulo=57 – acesso em 17.09.2013)”.
Do
ponto de vista jurisprudencial, merece respaldo nosso entendimento no sentido
de que o sigilo médico não é absoluto, como pode ser visto na decisão do MS n°
488.137-6 – TJ/PR:
“MANDADO DE SEGURANÇA - INQUÉRITO POLICIAL - MORTE
DE PACIENTE - REQUISIÇÃO DE PRONTUÁRIO MÉDICO - RECUSA DESCABIDA DO DIRETOR DO
HOSPITAL - SEGURANÇA DENEGADA.
O sigilo profissional não é absoluto, contém exceções, conforme se depreende da leitura dos respectivos dispositivos do Código de Ética.
Daí porque se revela descabida a recusa em atender a requisição do prontuário médico e documentos feita pelo juízo, em atendimento à cota ministerial, visando apurar possível prática de crime contra a vida diante da morte da paciente que fora submetida a cirurgia de lipoaspiração”.
O sigilo profissional não é absoluto, contém exceções, conforme se depreende da leitura dos respectivos dispositivos do Código de Ética.
Daí porque se revela descabida a recusa em atender a requisição do prontuário médico e documentos feita pelo juízo, em atendimento à cota ministerial, visando apurar possível prática de crime contra a vida diante da morte da paciente que fora submetida a cirurgia de lipoaspiração”.
Conclui-se, diante da abordagem realizada neste pequeno texto, que não
há possibilidade de o responsável pelo Hospital negar a Autoridade Policial
prontuário de atendimento médico de paciente quando requisitado para auxiliar
nas investigações realizadas em inquérito policial, submetendo-se, caso negue
as informações requisitadas, ao crime de desobediência, e, consequentemente aos
rigores penais.