RELATÓRIO FINAL DE INQUÉRITO POLICIAL
REF.: xxxxxxxxxxxxx
AUTOR: xxxxxxxxxxxxxxxxx
VÍTIMA:
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
ILÍCITO PENAL: FURTO CONSUMADO
MM JUIZ DE DIREITO
A POLÍCIA
CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO, representada neste ato pela Delegacia de
Polícia subscritora, que no uso de suas atribuições legais e regulamentares
conferidas pelo art. 144, § 4°, da Constituição da República; art. 140, da
Constituição Estadual Paulista; art. 4° e seguintes do Código de Processo Penal
Brasileiro; art. 12 da Portaria DGP 18/1998; e demais dispositivos legais
correlatos, respeitosamente reporta-se a V. Excelência pelo presente RELATÓRIO, com base no art. 10, § 1° do
CPP.
1 - DOS FATOS
Instaurou-se Inquérito Policial
no dia 16.03.2010 com base nos fatos registrados no B.O n° 1474/10. Consta no
histórico da ocorrência que xxxxxxxxxxxxxxxxx teria furtado 01 shampoo e
01 condicionador da Farmácia xxxxxxxx, objetos estes que totalizavam o
valor de R$ 12,85.
Conforme o histórico da
ocorrência a Polícia Militar foi acionada logo após os funcionários perceberem
o ocorrido, passando aos Policiais as características físicas do autor. Em
diligência, localizaram o autor dos fatos portando os objetos subtraídos da
Farmácia. O Delegado de plantão, após formar seu convencimento jurídico,
decidiu por não lavrar Auto de Prisão em Flagrante, tendo em vista a aplicação
do Princípio da Insignificância ao caso.
Ouvidos os Policiais Militares às
fls. 17 e 18, confirmaram a versão apresentada no histórico a ocorrência,
mencionando que após a captura do então averiguado, xxxxxxxxx, este foi conduzido à Farmácia, sendo
prontamente reconhecido pelos funcionários. Consta no depoimento dos Policiais
que, ao solicitar um representante da Farmácia para acompanha-los à Delegacia
para o registro da ocorrência, não houve voluntariedade de nenhuma das
testemunhas do fato, acompanhando os Policiais um vigilante que não havia
presenciado o ocorrido.
Ouvido o vigilante da Farmácia às
fls. 25, informou que no dia da ocorrência apenas foi comunicada pelo
proprietário da Farmácia que havia ocorrido o furto investigado, que o suspeito
já estava detido e que era preciso dele para que fosse à Delegacia acompanhar o
registro da ocorrência.
Diante destes fatos foi
requisitado às fls. 27 o formal indiciamento de xxxxxxxxx pelo
crime previsto no art. 155, c/c art. 14, II do CP, expedindo-se carta precatória
para formal indiciamento do autor que estava recolhido no CDP-SUZANO.
Ocorre que, conforme certidão do
Escrivão de Suzano às fls. 47, não foi possível cumprir o formal indiciamento
do xxxxxxxxxx, uma vez que não se encontrava mais naquele
estabelecimento prisional.
Por fim, foi expedido ordem de
serviço – fls. 60 - com o objetivo de arrolar testemunhas que houvessem
presenciado o fato. Em relatório de investigação - fls. 64 – constatou-se que
nenhum dos funcionários atuais da farmácia não presenciaram os fatos, bem como
não havia outras testemunhas nas adjacências. Aproveitaram para intimar o Sr.
xxxxxxxx, supervisor da loja para prestar depoimento no dia 13.12.2012, sendo
que este não compareceu à esta Delegacia.
2 - DO DIREITO
Estabelece o art. 155 do CP:
“Subtrair, para si ou para
outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de um a quatro
anos, e multa”.
Com base nos fatos apresentados,
o agente foi surpreendido nos moldes do art. 302, IV do CPP, na modalidade
presumida de flagrante. Porém, a juízo da autoridade, por observância ao
princípio da insignificância (que será tratado posteriormente) foi entendido
apena pelo registro da ocorrência para instauração de Inquérito Policial.
2.1 - DO MOMENTO CONSUMATIVO
DO CRIME DE FURTO
Outra questão que merece ser ressaltada diz
respeito ao momento consumativo do crime de furto, uma vez que o caso
apresentado demonstra que o furto foi consumado, a contrário senso, e com o
devido respeito, do já exposto neste procedimento.
A doutrina elenca 04 teorias
sobre a consumação do furto e, neste ponto, interessante mencionar passagem do
livro de Direito Penal do autor Gustavo O. Diniz Junqueira:
“É famosa a controvérsia sobre a consumação
do crime de furto: 1 – contrectacio
(simples contato com a coisa); 2 – amotio
(apreensão da coisa ainda que por um instante); 3 – ablatio (quando há o transporte da coisa de um lugar para outro); 4
– ilatio (posse tranquila da coisa).
(...) A posição tradicional se aproximava da última, exigindo a posse tranquila
da coisa (...). No entanto, nos últimos tem prevalecido orientação que se
aproxima da amotio ou apprehensio, influenciada pela alteração
do reconhecimento da consumação no crime de roubo, bastando, assim, a apreensão
da coisa ainda que por poucos instantes para a consumação” (JUNQUEIRA. Gustavo
O. Diniz. Direito Penal. RT. 2012. Pag. 266).
E
neste sentido o STJ se posiciona da seguinte forma – AgRg RESP 1226382/RS:
“AGRAVO
REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. ART. 155 DO CP. FURTO.
DESNECESSIDADE DA POSSE TRANQUILA DA RES. CONSUMAÇÃO DO DELITO. DESCLASSIFICAÇÃO
PARA ROUBO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLÊNCIA DIRECIONADA PARA A RES.
1. O tipo penal classificado como furto
consuma-se no momento, ainda que breve, no qual o agente se torna possuidor da
res, não se mostrando necessária a posse tranquila. (...)
4 . Segundo
lição do Ministro Moreira Alves, no voto condutor do RE n. 102.490/SP, há
quatro teorias que explicam a consumação dos tipos do roubo e do furto. Pela
teoria da contrectatio, a consumação se dá com o simples contato entre o agente
a coisa alheia. Pela apprehensio ou amotio, a consumação se dá quando a coisa
passa para o poder do agente. Na ablatio, a consumação se dá quando a coisa, além
de apreendida, é transportada de um lugar para outro e, finalmente, na illatio,
a consumação se dá quando a coisa é transportada ao local desejado pelo agente
para tê-la a salvo.
5. O art. 155 do Código Penal traz como verbo-núcleo do tipo penal do
delito de furto a ação de "subtrair"; pode-se concluir que o direito
brasileiro adotou a teoria da apprehensio ou amotio, em que os delitos de roubo
ou de furto se consumam quando a coisa subtraída passa para o poder do agente,
mesmo que num curto espaço de tempo, independentemente de a res permanecer sob
sua posse tranquila”.
2.2 - DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA PELA AUTORIDADE POLICIAL
Sabe-se que a Tipicidade Penal é a soma da
Tipicidade Formal com a Tipicidade Material. Desta forma, ausente tipicidade
material da conduta, restará ausente a tipicidade penal. Neste ponto há a
aplicação do Princípio da Insignificância sustentado pela Autoridade Policial
que primeiro teve contato com o fato.
Defino o Princípio da Insignificância como
sendo “sub princípio da intervenção mínima do Direito Penal junto às relações
socais”. Não basta, afim de caracterizar a intervenção mínima do Direito Penal,
pautar o Direito Penal apenas em sua subsidiariedade, fragmentariedade e
exclusiva proteção a bens jurídicos com dignidade penal. A conduta praticada
necessita lesar, efetivamente, o bem jurídico tutelado pela norma.
Assim, prevalece para a doutrina e
jurisprudência pátria que os critérios analisados afim de possibilitar a
aplicação deste princípio devam ser objetivos, ou seja, nas palavras de Gustavo
Junqueira deve se “levar em consideração o ínfimo desvalor do resultado, em
contraponto à gravidade da intervenção penal”.
Neste sentido caminha a Jurisprudência – STF
– HC 113327/MG - 2012:
“Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. PACIENTES CONDENADOS PELO CRIME DE FURTO
QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA DOS AGENTES.
RECONHECIMENTO. ORDEM CONCEDIDA.
I – A aplicação do princípio da
insignificância, de modo a tornar a ação atípica, exige a satisfação, de forma
concomitante, de certos requisitos, quais sejam, conduta minimamente
ofensiva, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de
reprovabilidade do comportamento e lesão jurídica inexpressiva.
II – In casu, tenho por preenchidos os requisitos necessários ao
reconhecimento do crime de bagatela. Primeiro porque se trata de delito
praticado sem violência ou grave ameaça contra a pessoa. Ademais, embora não se
tenham informações sobre a condição econômica da vítima, o valor dos animais
abatidos pelos pacientes não pode ser considerado expressivo, de forma tal a
configurar-se em prejuízo econômico efetivo. Ademais, os animais subtraídos
foram utilizados para consumo.
III – Ordem concedida para reconhecer a atipicidade da conduta e trancar
as execuções criminais movidas contra os pacientes”.
Ainda neste assunto, tomo a liberdade de
reproduzir neste singelo relatório de Inquérito Policial texto de minha autoria
que traz a possibilidade de aplicação do presente princípio pela Autoridade
Policial:
“A autoridade policial é o primeiro bastião de defesa dos direitos
fundamentais. Essa condição gera diversos deveres. O principal, sem dúvida, é
impedir que o agente seja privado injustamente da sua liberdade por conduta
que, ao final do processo, não seja considerada criminosa.
A prisão decorrente de conduta totalmente
insignificante (ex.: sujeito entra em uma rede de supermercados e subtrai bem
que vale R$ 1,99) não se coaduna com os princípios que norteiam o Direito Penal
Contemporâneo. Ora, se estamos diante de uma causa supralegal de exclusão da
tipicidade material, o fato é atípico e, sendo assim, não é razoável prender
alguém que praticou um fato atípico.
Com relação a possível incompatibilidade entre a
aplicação do princípio da insignificância e o princípio da obrigatoriedade do
Inquérito Policial, a insignificância não é incompatível. Ainda que haja a
presença de situação flagrancial, deverá o Delegado de Polícia deixar de lavrar
o Auto de Prisão em Flagrante, porém, não poderá a autoridade dexar de agir,
sob pena de praticar crime de prevaricação.
À guisa de reforço argumentativo, observe-se que a
prisão em flagrante é composta por momentos distintos, ou seja, a exclusão do
último (recolhimento ao cárcere) não impede a implementação dos anteriores
(captura, apresentação e lavratura do auto). Vale lembrar, por oportuno, que a
atividade desempenhada pelo Delegado de Polícia envolve uma certa dose de
discricionariedade, característica que permite a avaliação do fato típico em
todas as suas divisões, uma vez que somente haverá crime, se a conduta for, ao
menos, detentora de tipicidade e de antijuridicidade.
Cabe ao Delegado de Polícia, como detentor do
Poder jurídico social de constritor de liberdade decidir a problematização
entre o cárcere e a liberdade, e não tão somente agir como uma máquina de
subsunção típica do fato à norma. Se assim fosse, de nada serviria sua presença
em situações flagranciais apresentadas pela Polícia Militar ou terceiros.
Acredito que o andamento para ocorrência seja o
seguinte:
Deverá a autoridade policial lavrar um B.O
circunstanciado, ouvindo todos aqueles envolvidos na ocorrência e, após,
relatá-lo (com sugestão de arquivamento pela atipicidade material da conduta),
enviá-lo ao Juiz para que abra prazo para o MP requerer o arquivamento formal
do Inquérito Policial pelo mesmo argumento.
Ademais, de grande importância para o suspeito em ter o IP arquivado pela atipicidade do fato, vez que gera coisa julgada material.
Ademais, de grande importância para o suspeito em ter o IP arquivado pela atipicidade do fato, vez que gera coisa julgada material.
Por fim, a aplicação de tal entendimento deverá
ser feito com base nas possibilidades da aplicação do referido princípio, ou
seja, somente deverá o Delegado de Polícia agir desta forma se presentes
determinados requisitos, tal como a ausência de notícias crimes do autor na
prática delitiva”.
Assim, o que mais deve ser observado pela aplicação do
princípio ora discutido é a relação entre o valor dos bens que foram subtrídos,
em detrimento à afetação patrimonial. Ora Excelência, R$ 12,85 reais pode, no
caso em tela, ser insignificante para a farmácia, tendo em vista o patrimônio
desta. Porém, o mesmo valor pode não ser insignificante ao se tratar de um
aposentado que recebe um salário mínimo por mês.
Portanto, a aplicação do presente princípio depende de
uma valoração sobre a referêcia observada.
2.3 - DA
AUSÊNCIA DO INDICIAMENTO E, POR CONSEQUÊNCIA, DO INTERROGATÓRIO DO AUTOR
Conforme descrito no
ítem 1 deste relatório, expediu-se carta
precatória para formal indiciamento do autor que estava recolhido no
CDP-SUZANO. Ocorre que, conforme certidão do Escrivão de Suzano às fls. 47, não
foi possível cumpri-la, uma vez que o autor dos fatos não se encontrava mais
naquele estabelecimento prisional.
Diante disto, necessário discutir
a real necessidade do interrogatório no Inquérito Policial afim de que o Douto
Membro do Ministério Público forme sua convicção sobre a veracidade dos fatos e
a autoria.
Conforme ensina Gustavo O. Diniz
Junqueira, o interrogatório
“apresenta uma natureza jurídica híbrida ou
mista, porquanto constitui meio de defesa e meio de prova (...) Ostenta a
natureza precípua de meio de defesa, pois consubstancia o ato processual, por
excelência, de instrumentalização da autodefesa (...) (JUNQUEIRA. Processo
Penal. Elementos do Direito. RT. 2012. Pag. 147).
Diante disto, sabendo que o
Inquérito Policial é um procedimento administrativo regido pelo sistema inquisitorial,
o interrogatório, não pode ser tido como meio de defesa, vez que não se aplica
a esta fase os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa
previstos no art. 5°, LV.
Tratando o interrogatório, nesta
fase investigativa, apenas como meio de prova, não se vê necessário, salvo em
caso de indiciamento, que o interrogatório seja realizado afim de corroborar
com as provas já existentes caso a materialidade do crime e sua autoria já
estivessem definidas, o que ocorre no caso em tela.
Portanto, no que tange à obrigatoriedade do Interrogatório na fase
investigativa, pode-se falar em sua desnecessidade, caso seja de dificultosa
reprodução e caso haja outras provas que solucionem o caso.
No que tange ao indiciamento, “data máxima vênia”, este deve ser
realizado somente em crimes cuja pena máxima exceda aos 04 anos, tendo em vista
que seus efeitos devem ser levados em consideração quando contrapostos ao
sistema constitucional vigente.
De se notar que o sistema processual
brasileiro, com mais razão, a partir da lei 12.403/11, fixou certos limites com
base nas penas em abstrato. Neste ponto, tendemos ao entendimento de que aos
crimes cuja pena máxima cominada supera 04 anos são aqueles entendidos pelo
legislador como sendo de maior gravidade, o que, num primeiro momento,
possibilitaria o ato do indiciamento.
3 - CONCLUSÃO
Conforme o recente Manual de
Policia judiciária,
“(...) o relatório, peça técnica com forte
conteúdo subjetivo, nada impedindo que nele sejam inseridos opiniões ou impressões pessoais, doutrinárias é até
jurisprudenciais, determinando o juízo de valor da autoridade policial e
que servem para indicar as razões do seu convencimento sobre o término do
inquérito policial” (Manual de Polícia Judiciária. 6ª edição. 2012. Pág. 59).
Assim, após análise do conjunto probatório
presente neste procedimento, bem como pelos fundamentos jurídicos expostos, há, num primeiro momento, prática criminosa
flagrancial realizada pelo autor dos fatos.
No entanto, foi entendido pela autoridade que
primeiro teve contato com os fatos pela aplicação do princípio da
insignificância, o que foi mantido por esta autoridade, que não se eximiu em
continuar a busca da verdade dos fatos, uma vez que o juízo de atipicidade
material deve ser feito pelo Juiz, uma vez que só esta autoridade é dotada de
competência jurisdicional.
Diante do exposto, sugiro o arquivamento do feito, uma vez que insignificante foi a
conduta do autor dos fatos, remetendo os autos ao MM Juiz para que abra vista
ao Ministério Público afim de que tome as providências previstas no Código de
Processo Penal brasileiro.
É o
relatório
São Paulo, 07 de janeiro de 2013
RAPHAEL
ZANON DA SILVA
Delegado de
Polícia